Duas medidas para facilitar e agilizar o resgate de precatórios abandonados e outros depósitos judiciais podem garantir entre R$ 15 bilhões a R$ 20 bilhões em receitas para o governo federal e permitir o cumprimento da meta de déficit zero deste ano.
As propostas foram incluídas pelo líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT), no projeto de desoneração da folha de empresas de 17 setores e dos municípios com menos de 156 mil habitantes.
Um integrante do governo que participou das negociações do parecer disse à reportagem que é possível operacionalizar as medidas ainda em 2024, o que daria tempo de as receitas dos depósitos entrarem no caixa do Tesouro Nacional.
Wagner é relator do projeto, que seria votado na quinta-feira (15). O líder do governo, no entanto, pediu ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para adiar a votação para a próxima semana. Ele vai negociar pontos do texto que sofrem resistências dos senadores e prometeu apresentar um novo parecer na segunda-feira (19).
Segundo um integrante do governo, a contabilização dos ganhos com os depósitos judiciais é o que vai permitir à equipe econômica fechar o ano próximo de cumprir a meta de equilíbrio nas contas públicas —como sinalizou o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, em entrevista à GloboNews na última quarta-feira (14).
As duas medidas relacionadas aos depósitos judiciais e extrajudiciais aumentam a eficácia dos instrumentos de resgate desses valores.
A primeira delas vai destravar a transferência dos depósitos que estão na Caixa Econômica Federal para a Conta Única do Tesouro, onde fica depositado o dinheiro da União.
O governo mapeou, no ano passado, R$ 14,2 bilhões em depósitos que deveriam ter sido repassados ao Tesouro, mas ficaram indevidamente retidos no banco —que abriu auditoria para apurar o caso.
Desse valor, cerca de R$ 6,8 bilhões ingressaram no caixa da União. Há relatos nos bastidores de que o processo levava tempo diante da necessidade de classificar corretamente essas receitas.
Agora, o projeto estabelece regras para simplificar os procedimentos de transferência desses depósitos, eliminando a burocracia que amarra o repasse imediato à Conta Única.
O texto diz que mesmo os depósitos “realizados em desconformidade” com o previsto no artigo serão transferidos “independentemente de qualquer formalidade”. A intenção é evitar a repetição do episódio que gerou retenção indevida dos valores.
O texto também estipulou que a Caixa terá até 30 dias para transferir os depósitos remanescentes, mesmo que ajustes operacionais e de reclassificação definitiva da receita fiquem para depois.
Pela evolução atual dos repasses, a medida pode implicar a liberação de cerca de R$ 7,4 bilhões extras ao governo neste ano. Os recursos são contabilizados como receita primária, ou seja, ajudam a melhorar o resultado fiscal, segundo explicou um técnico do governo.
O projeto ainda diz que o banco precisará pagar juros sobre o período em que o valor ficou retido de forma indevidamente, equivalentes à Selic (hoje em 10,50% ao ano). Até então, havia uma dúvida sobre qual seria a correção devida pela Caixa ao governo federal.
Há também uma mudança na atualização dos depósitos no momento em que o credor reivindica os valores.
O Tesouro hoje devolve o dinheiro corrigido pela mesma remuneração da Conta Única, uma taxa próxima à Selic. O projeto muda esse indexador para um índice oficial de inflação, sob o entendimento de que não há incidência de juros de mora enquanto não há atraso no pagamento.
Segundo técnicos do governo, havia duas opções na mesa para endereçar a questão da correção dos depósitos. A Fazenda defendia taxar o ganho dos credores com a remuneração obtida durante o período do depósito na Conta Única. Já o Planejamento queria reduzir essa despesa —alternativa que prevaleceu no texto.
A segunda medida envolvendo depósitos judiciais altera o prazo de resgate de valores abandonados, entre eles garantias e precatórios. Nas ações em âmbito federal, o prazo caiu de 25 anos para dois anos.
Após esse prazo, se o titular dos valores não sacar os recursos, a União poderá reivindicar o repasse para o seu caixa. O credor original terá mais cinco anos para pedir a restituição. É uma forma de garantir mais receitas para o caixa do governo.
Segundo técnicos da área econômica, valores significativos ficam empoçados no Judiciário, sem que o credor efetue o saque.
Uma lei de 1954 já prevê a incorporação dos valores pelo Tesouro Nacional, não só em relação a precatórios, mas também depósitos de outra natureza (como garantias). A avaliação, porém, é que o texto não dá instrumentos efetivos para isso, nem há uma boa governança dentro da União para assegurar o cumprimento da regra.
Além do prazo de 25 anos, as instituições que guardam esses valores precisam dar conhecimento a possíveis interessados por meio de publicação no Diário Oficial e na imprensa local por pelo menos três vezes. O processo é tido como burocrático.
Agora, a comunicação poderá ser feita diretamente no processo judicial. O projeto ainda prevê que os depósitos já existentes que tenham completado o prazo de dois anos deverão ser transferidos ao Tesouro Nacional em até 30 dias após a aprovação da nova lei.
Para se ter uma ideia do potencial da medida, a Justiça do Trabalho, por exemplo, procura os donos de R$ 21 bilhões esquecidos em contas judiciais. Há ações tão antigas —algumas até da década de 1960— que estão em versão de papel. Desse valor, R$ 3,9 bilhões já foram oficialmente declarados como abandonados pelo TST (Tribunal Superior do Trabalho).
Adriana Fernandes/Idiana Tomazelli/Folhapress