Segunda-feira, Novembro 25, 2024
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“Se as provas da Odebrecht não valem, que fazer com o roubo?”, questiona Josias de Souza, colunista de UOL

A Petrobras anotou em seu balanço de 2014 que obteve devoluções de R$ 6,2 bilhões. Documentos oficiais da Odebrecht e de sua subsidiária Braskem revelam acordos feitos nos Estados Unidos, no Brasil e na Suíça para a restituição de US$ 3,5 bilhões. Coisa jamais vista na história da corrupção mundial, resgata o jornalista

O ministro do Supremo Dias Toffoli anulou todas as provas obtidas por meio do acordo de leniência da Odebrecht. Alegou que são imprestáveis. Fez no atacado um serviço que vinha sendo realizado no varejo por Ricardo Lewandowski, de quem herdou os processos remanescentes da Lava Jato. A decisão de Toffoli consolidou um fenômeno sui generis: a ladroagem por geração espontânea.

A anulação das sentenças de Lula levou à extinção em série de dezenas de veredictos. Sumiram penas que, juntas, somavam mais de 200 anos de cadeia. Agora, Toffoli passa na borracha também, em decisão monocrática, todas as provas resultantes da confissão da corruptora-mor, uma empresa que mantinha em seu organograma um departamento de propina.

A ausência de corruptos e de corruptores conduz a uma incômoda interrogação: O que fazer com o produto do roubo? Devolvê-lo aos ladrões que confessaram o assalto? Não há maior evidência de corrupção do que confissões seguidas da devolução de dinheiro.

A Petrobras anotou em seu balanço de 2014 que obteve devoluções de R$ 6,2 bilhões. Documentos oficiais da Odebrecht e de sua subsidiária Braskem revelam acordos feitos nos Estados Unidos, no Brasil e na Suíça para a restituição de US$ 3,5 bilhões. Coisa jamais vista na história da corrupção mundial.

O enredo da Lava Jato começou a ser reescrito depois que Sergio Moro virou ministro de Bolsonaro. A porca torceu o rabo quando a Vaza Jato expôs os diálogos promíscuos do ex-juiz com procuradores da força-tarefa de Curitiba. O revisionismo tornou-se imperativo. Mas Toffoli esqueceu de maneirar.

Tomado pelas palavras —”ovo da serpente”, “pau de arara do século 21, para obter ‘provas’ contra inocentes”— o ministro trata o cidadão brasileiro como um turista que viaja num avião e é tomado de assalto (ops!) pela sensação de que sua bagagem histórica, com todo o sobrepeso, viaja em outra aeronave.

Não há nas 135 páginas da decisão de Toffoli juízo de mérito. As provas foram anuladas sob o argumento de que houve ofensa ao princípio do devido processo legal. A decisão precisa passar pelo plenário do Supremo. Se a Corte não enxergar nada além de “tortura” de “inocentes” e o ovo da víbora, precisa decidir o que fazer com a única coisa que não dá para apagar da história: o dinheiro roubado.

Vale à pena escutar novamente o que disse Emílio Odebrecht durante a delação pessoal que antecedeu o acordo de leniência da empresa: “O que nós temos no Brasil, não é um negócio de cinco anos, dez anos atrás. Nós estamos falando de 30 anos atrás. [?] Então, tudo que está acontecendo era um negócio institucionalizado. Era uma coisa normal.”

Emílio prosseguiu: “Em função de todos esses números de partidos, onde o que eles brigavam, era por quê? Era por cargos? Não. Todo mundo sabia que não era. Era por orçamentos gordos. Eles queriam orçamento. Ali os partidos colocavam seus mandatários com finalidade de arrecadar recursos para o partido, para os políticos. E isso é há 30 anos que se faz isso.”

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na “Folha de S.Paulo” (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro “A História Real” (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de “Os Papéis Secretos do Exército”.

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