Delegado da Polícia Civil, em artigo, faz análise do direito de imagem, a luz da Lei do Abuso de autoridade
Análise do direito à imagem, elencado no art. 13, da lei 13.869/19 – Lei de abuso de autoridade.
📰Por Rodrigo Fernando de Souza
Tecendo comentários acerca da lei de abuso de autoridade, praticado por funcionário público, especialmente no que diz respeito a compartilhamento de foto, inclusive quando tirada a fotografia dentro da delegacia, oberva-se o disposto no Artigo 13 da Lei 13.869/19. Pois bem, passamos a analisar o artigo 13, da Lei 13.869/19, elencado abaixo:
Art. 13. Constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência, a:
I – exibir-se ou ter seu corpo ou parte dele exibido à curiosidade pública
II – submeter-se a situação vexatória ou a constrangimento não autorizado em lei;
III – produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro:
Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, sem prejuízo da pena cominada à violência.
É consabido que a Lei 13.869/19, ao revogar a Lei 4.898/65, tornou-se a atual Lei de Abuso de Autoridade, englobando a tipificação de crimes funcionais, cometidos pelo agente público que extrapola os limites de atuação e fere o interesse público.
Para um escorreito exame da conduta (tipo objetivo), imprescindível notar que, de um lado, possuem alta envergadura os direitos constitucionais da pessoa à integridade moral, à honra e imagem (art. 5º, XLIX e X da CF), bem como a presunção de inocência (art. 5º, LVII da CF). A Lei de Execução Penal e o Código Penal reiteram a proteção à integridade moral do preso, protegendo-o contra qualquer forma de sensacionalismo (arts. 40 e 41, VIII da Lei. 7.210/84 e art. 38 do CP).
De outro flanco, com igual importância estão estampados na Constituição o princípio da publicidade (arts. 5º, LX e 37 da CF), o direito de acesso à informação (art. 5º, XIV da CF), a liberdade de imprensa (art. 220 da CF) e o direito à segurança pública (art. 144 da CF). O Código Civil elenca que a exposição da imagem da pessoa é lícita se necessária à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública (art. 20 do CC), e a Lei de Acesso à Informação que a divulgação das informações pessoais pode se dar para proteção do interesse público e geral preponderante, e não prejudicar apuração de irregularidades em que estiver envolvido (art. 31 da Lei 12.527/11).
O texto legal criminaliza a conduta de constranger, que nada tem haver com a vergonha ou a humilhação do preso ou do detento. Trata-se de constrangimento real, ou seja, de limitação forçada à liberdade do indivíduo de fazer (ou não fazer) o que deseja. Por isso, o constrangimento mencionado no caput não pode ser confundido com o constrangimento do inciso II, este sim ligado à vergonha do preso ou do detento.
O crime não se aperfeiçoa se o constrangimento se der contra investigado ou réu solto, mas apenas preso ou detento. Considera-se (a) detento aquele que teve sua liberdade ambulatorial restringida, mas ainda não formalizada (ex: capturado por policial militar, porém sem a prisão em flagrante decretada pelo delegado), e (b) preso aquele que teve sua prisão devidamente formalizada, seja decorrente de flagrante, temporária, preventiva ou de sentença penal condenatória irrecorrível.
A conduta é considerada criminosa apenas se houver violência (violência física), grave ameaça (violência moral) ou redução da capacidade de resistência da vítima (violência imprópria). A vis corporalis oscila entre graus distintos: desde simples vias de fato até a lesão corporal gravíssima. Não há infração penal, portanto, na simples divulgação de foto do preso.
Nessa esteira, por inexistir violência ou ameaça, é fato atípico, com relação ao inciso I, a divulgação da imagem do preso (ainda que sem interesse público) por: (a) publicação de foto; (b) captação de imagem pela imprensa em local público, seja no trajeto à delegacia de polícia, seja na área aberta ao público da unidade policial.
De outra banda, pode se falar em delito, se presente o elemento subjetivo especial, quando a divulgação da imagem do custodiado se der pelo seu posicionamento para as câmeras da imprensa (ainda que de cabeça baixa ou de costas), se forçado, ameaçado ou algemado (com capacidade de resistência diminuída).
Como visto, são 3 os meios de execução desse crime: a) exibição do corpo do preso ou do detento; b) submissão a situação vexatória ou a constrangimento não autorizado em lei; c) produção de prova contra si mesmo ou contra terceiro. Os dois primeiros protegem a privacidade, imagem e honra do preso, enquanto o último salvaguarda a inexigibilidade de autoincriminação.
Configura abuso de autoridade, por afronta ao art. 13, II da Lei 13.869/19, a ação violenta de agente público que acarrete no preso sentimento de humilhação e desonra, se presente ao menos um dos elementos subjetivos específicos da norma de extensão (art. 1º, §1º). Exemplos são forçar o preso a gravar vídeo chorando e pedindo desculpas à Polícia, a ficar nu ou a vestir uma roupa ridícula.
De outro lado, caracteriza abuso de autoridade, por violação ao art. 13, I da Lei 13.869/19, constranger o preso, mediante violência, a exibir-se ou ter seu corpo ou parte dele exibido à curiosidade pública.
O fato de o policial utilizar-se de violência para mostrar o rosto de um criminoso, quando de sua captura, em face dos reclamos do povo que deseja seja ele exposto à execração pública (geralmente por meio da imprensa), pode configurar o crime, desde que presente ao menos um dos elementos subjetivos específicos da norma de extensão (art. 1º, §1º). Não é aceitável apresentar o preso como troféu, para satisfação da sanha populista e da autopromoção do agente público, pois ainda que não haja futura absolvição, a pena a ser imposta é no máximo de prisão, e não de execração pública.
Nota-se que o delito não se aperfeiçoa quando houver autorização do preso, ou quando houver justificativa de interesse público (assegurados a efetividade da persecução penal e o direito à informação), pois o que se veda é a mera apresentação do custodiado sem justificativa alguma (exibição do preso à curiosidade pública).
Destarte, é fato atípico a divulgação do preso buscando a eficiência da segurança pública, para (a) capturar evadido com mandado de prisão em aberto, (b) facilitar a identificação do criminoso por outras vítimas (garantindo a efetividade da persecução penal para desvendar outras infrações penais) ou (c) prestar contas (accountability) e possibilitar o escrutínio público sobre a atuação dos órgãos de persecução criminal, notadamente quando se tratar de crimes graves ou cometidos por autoridades (possibilitando o direito à informação).
Ressalta-se ainda que não se caracteriza abuso de autoridade quando a suposta vítima já possui, em seu desfavor, não só um boletim de ocorrência registrado, mas sim possui um procedimento criminal instaurado por portaria, indiciamento realizado pela autoridade policial, pedido cautelar de prisão preventiva, especialmente quando já analisado e deferido pelo Poder Judiciário, demonstrando-se assim, que seu direito de imagem não se sobrepõe ao direito à informação, nem muito menos ao direito da imagem da verdadeira vítima, que certamente teve sua integridade física, psicológica e familiar abaladas por uma conduta delituosa.
Assim sendo, em suma, o que a lei abuso de autoridade proíbe é a “chacota”, “humilhação ou denuncismo gratuito”, sem base investigativa, sem apuração mais detalhada sobre a materialidade do fato, bem como indícios mínimos e suficientes de autoria.
📰Rodrigo Fernando Souza tem 38 anos.
É delegado da Policia Civil e titular da Delegacia Territorial de Ipiaú, desde 2017. Antes de ingressar na Polícia Civil baiana, esteve por 6 anos na Policia Militar do Rio Grande do Norte e por mais um ano como investigador da Polícia Civil daquele estado. Tem formação em Direito pela Universidade Potiguar, no ano de 2009, com especialização em Ciências Criminais pela Universidade Anhanguera, além de especialização em Segurança Pública pela UNITER. É filho de Natal, capital do Rio Grande do Norte.
Rede2D – Redação