“O agravamento da estiagem pode dar início a um ciclo que se estenderá além de 2023, caso os rios não se recuperem antes da próxima estação de seca”, advertem em debate no Senado
A seca atual da Amazônia acende um alerta especialmente preocupante quanto aos impactos dos fatores climáticos sobre a disponibilidade de água doce. O agravamento da estiagem pode dar início a um ciclo que se estenderá além de 2023, caso os rios não se recuperem antes da próxima estação de seca. Nesse cenário, os rios ingressariam em uma próxima estiagem com níveis baixos e com o clima ainda provavelmente influenciado pelo El Niño, o que tornaria possível a ocorrência de períodos de seca cada vez mais severos.
O alerta foi feito nesta quinta-feira (26) pelo senador Esperidião Amin (PP-SC) durante sessão de debates temáticos sobre os fenômenos climáticos e desastres naturais que atingem o Brasil. Promovida em Plenário por iniciativa dele e de outros senadores, a sessão contou com a participação de autoridades, como o vice-presidente da República Geraldo Alckmin, e representantes de entidades ligadas ao meio ambiente.
Esperidião Amin ressaltou que o ano de 2023 já garantiu lugar de destaque nos registros de evolução do clima no planeta, tendo em vista a ocorrência de eventos climáticos extremos em algum lugar do mundo, com a ocorrência de chuvas intensas, secas extraordinárias, temperaturas anormalmente altas ou excessivamente baixas.
— No Brasil não foi diferente. Em fevereiro, 64 pessoas morreram por causa das fortes chuvas no litoral norte de São Paulo. Em junho, também por causa das chuvas, mais de 16 mil pessoas ficaram desabrigadas no Sul do país. Em abril, as chuvas castigaram o Acre e a Bahia, e assim foi ao longo do ano, sem excluir o meu estado, que fica na região sul, Santa Catarina.
Em contraste, lembrou o senador, a região amazônica está passando agora por uma seca sem precedentes. Em meados deste ano, a medição do Rio Negro, em Manaus, registrou o ponto mais baixo desde 1902, de 13,59 metros, ressaltou.
— As imagens que foram veiculadas são impressionantes, pelo contraste com a abundância de águas que sempre associamos à Amazônia. Quanto às temperaturas, este ano tivemos o Inverno mais quente dos últimos 62 anos no Brasil. No Hemisfério Norte, o Verão de 2023 foi o mais quente jamais registrado.
As razões desses fenômenos são complexas, envolvendo tanto os fatores climáticos, que são cumulativos e de longo prazo, relacionados a mudanças climáticas, quanto fatores cíclicos e mais pontuais, como o conhecido El Niño, combinado com o aquecimento anormal das águas do oceano Atlântico, que foi observado este ano e pode ter parte de culpa na seca que afeta a Amazônia, disse Esperidião Amin.
— É necessário refletir sobre propostas que possam aprimorar ferramentas de prevenção e de reação, a fim de diminuir os efeitos negativos causados pelos desastres naturais que tantas vezes se seguem a esses fenômenos climáticos extremos. E quando consideramos a nossa capacidade de respostas aos desastres naturais, não devemos olhar apenas para eventos pontuais, devemos também começar a nos preparar para enfrentar desafios ainda mais graves associados com as mudanças climáticas, sejam elas determinadas por fatores mais estruturantes do clima planetário, sejam elas causadas por efeitos cíclicos como o El Niño — afirmou.
Citando a obra Breves Considerações sobre a Água no Planeta Terra, de Glauco Olinger, Amin lembrou que toda a água existente no globo terrestre, doce ou salgada, em forma de gelo ou liquefeita, provém das chuvas, e que uma mudança no regime de precipitações pluviométricas, portanto, provocaria um efeito imediato na disponibilidade do líquido. Embora dois terços do planeta sejam ocupados por corpos d’água, apenas 3% dessa água é doce. Desse total, 2,5% estão em forma de gelo, e apenas 0,5% está disponível nos rios, lagos, reservatórios e lençóis subterrâneos.
— Boa parte contém quantidade de sais que torna a água imprópria para o consumo e uso agrícola. A abundância aparente do recurso esconde uma limitação e uma fragilidade. A vida em geral, não só a vida humana, necessita imperativamente de água, e essa água depende da chuva. Sem água, a vida como conhecemos seria inexistente.
Prevenção e mitigação
Em vídeo exibido durante a sessão, o vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços Geraldo Alckmin afirmou que as mudanças climáticas já são uma realidade que afeta a vida de milhões de pessoas, causando perdas humanas e materiais. Em todos os quadrantes do globo, a ocorrência desses fenômenos vem desafiando a capacidade de resposta e da sociedade tanto na prevenção de desastres como na mitigação de seus danos, afirmou.
— De um lado precisamos descarbonizar, por meio de uma arrojada agenda de desenvolvimento sustentável que inclui transição energética, combate ao desmatamento ilegal, organização de um mercado global de créditos de carbono e o estímulo ao florescimento de negócios baseados na bioeconomia, reduzindo as emissões de gases de efeito estufa. De outro, é necessário aprimorar a capacidade de resposta de nossos territórios às mudanças do clima. Nos centros urbanos, precisamos fortalecer a resiliência de nossas infraestruturas, estimular a mobilidade coletiva, proteger as áreas de encostas, investir no saneamento básico e implementar bons projetos habitacionais. No campo, recompor áreas degradadas, estimular a integração pecuária/lavoura/floresta e atender especialmente os nossos pequenos agricultores, que põem comida na mesa dos brasileiros todos os dias e que são os que mais sofrem com as quebras de safra – afirmou.
“Estresse hídrico”
Secretária de Políticas e Programas Estratégicos do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Márcia Cristina Bernardes Barbosa ressaltou que o mundo enfrenta atualmente escassez de água. Ela também afirmou que a população e os municípios devem estar preparados para enfrentar futuros desastres decorrentes das mudanças climáticas.
— Em 2025, uma em cada duas pessoas vai viver numa região de estresse hídrico pelo simples aumento da população, e esse estresse será ainda maior pelas questões de mudanças climáticas, elas são um fator determinante para alguns desses desastres. Aliás, estamos tendo recentes desastres desde 2015. Temos que ampliar o monitoramento dos municípios do Rio Grande do Sul que são próximos aos rios, porque vamos continuar tendo esses desastres. O problema é que aqui temos uma combinação de efeitos exponencial. Tínhamos o aquecimento no Oceano Pacífico, que gera essa seca na Amazônia e muita umidade no Rio Grande do Sul, com o aquecimento no Atlântico, que não é o El Niño, é mudança climática. Aí vocês imaginam que o Rio Grande do Sul, entre o calorzinho do Atlântico e o calorzinho do Pacífico, ficou numa sauna. E foi essa sauna que gerou as mudanças climáticas com o El Niño, que gerou os desastres que temos agora. E uma triste notícia: o El Niño vai ficar cada vez mais dominante. Temos que prevenir, temos que monitorar e temos que estar preparados para essas mudanças climáticas, pois os desastres que vão continuar existindo — afirmou.
Extremos climáticos
O cientista Carlos Nobre disse que é importante o Congresso Nacional apoiar o Brasil na busca de políticas de adaptação às mudanças, emergências e extremos climáticos, que já estão cada vez mais frequentes.
— Não há a menor dúvida, os extremos climáticos estão se tornando recordes em todo o mundo. O Brasil teve o maior número de desastres nos últimos três anos, ondas de calor, tempestades e secas intensas. A temperatura vai subir 2,4 a 2,6 graus até 2050. Isso é um enorme risco. Se a temperatura chegar a 2,5 graus, nós vamos perder quase toda a Amazônia, nós vamos liberar uma quantidade gigantesca de gás de efeito estufa lá daqueles solos congelados da Sibéria e do Canadá, o chamado permafrost. A temperatura pode chegar ao final deste século passando de 3 graus. Isso é um risco fatal para o planeta — afirmou.
Monitoramento de desastres
Diretora substituta do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais do MCTI, Regina Célia dos Santos Alvalá disse que hoje são monitorados de forma contínua 1.038 municípios brasileiros que são impactados por alagamentos e inundações, além de outros milhares impactados por falta de chuvas e estiagens. Atualmente, o centro está ampliando o monitoramento em novas localidades nas duas categorias.
— De 2016 até o final de 2022, nós registramos 11 mil ocorrências de desastres em 822 municípios dos 1.038 monitorados. Certamente as ocorrências são maiores, porque não entram nessa base de dados os municípios que integram essa lista. Já emitimos mais de 25 mil alertas de desastres e permanentemente estamos desenvolvendo pesquisas, trabalhando com base de dados ocorrências e alertas — afirmou.
Meteorologia e Defesa Civil
Coordenadora-geral de Meteorologia Aplicada e Desenvolvimento e Pesquisa do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), Márcia dos Santos Seabra destacou que o El Niño vai atuar do próximo semestre, provocando chuvas acima da média na Região Sul, ao contrário do que ocorrerá na Região Norte. Ela ressaltou ainda que o Rio Grande do Sul teve neste ano o setembro mais chuvoso desde 1916.
Coordenadora de Monitoramento da Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, Rosane Duque Estrada Vieira disse que a seca na Amazônia deve permanecer até novembro, quando começa a estação chuvosa local. Segundo ela, os estados do Sul do Brasil têm Defesas Civis sólidas e constituídas, visto que a região sofre o ano inteiro com intempéries naturais devido a entrada natural de frentes frias na região.
Ex-deputado federal, o jornalista Fernando Gabeira disse que preparar o Brasil para enfrentar o El Niño significa preparar o país para todos os eventos extremos que venham a ocorrer. Para avançar nessa questão, ele defendeu o fortalecimento das Defesas Civis e a preparação da população para encarar os desastres.
Prejuízos com a seca
Analista técnico da área de Defesa Civil da Confederação Nacional de Municípios (CNM), Johnny Amorim Liberato disse que o Brasil falha na prevenção de desastres naturais, que provocou prejuízo de R$ 586 bilhões nos últimos dez anos.
— Desse total, R$ 325 bilhões foram provocados pela seca. A seca e a chuva são os desastres que causam mais prejuízos aos municípios brasileiros. O gargalo do Brasil é a prevenção. No Brasil não se fala em prevenção, a prevenção é extremamente precária. O Brasil deixa primeiro acontecer para depois remediar. A doença tomou conta e depois a gente gasta um grande número de recursos financeiros para tentar minimizar os efeitos causados pelos desastres naturais — afirmou.
Diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Clézio Marcos de Nardin adiantou que a seca atual no oeste da Amazônia se estenderá para o leste daquela região. A Região Nordeste também sofrerá a com chuvas muito abaixo da média a partir de fevereiro do próximo ano. “Isso já motiva os órgãos que têm competência para tal para que que tomem as ações adequadas de prevenção, principalmente [de caráter] social”, afirmou.
Secretária de Articulação Nacional de Santa Catarina, Vânia Franco registrou que o estado está sendo assolado e passa por situação extremamente difícil nos últimos 20 dias em decorrência dos desastres naturais.
Já a deputada licenciada e secretária de Saúde de Santa Catarina, Carmen Zanotto, disse que o tema saúde precisa estar agregado nas questões dos fenômenos climáticos, tendo em vista a tendência de ocorrência futura de momentos mais complexos que o atual.
Senadores
Na avaliação do senador Astronauta Marcos Pontes (PL-SP), as mudanças climáticas causam situações extremas e exigem a participação de todos os países para mitigar seus efeitos.
— Não vamos conseguir mitigar as mudanças climáticas trabalhando em um país, nós precisamos de um planeta inteiro, trabalhar juntos para reduzir dentro do que é possível fazer nesse momento. Não é um ministério sozinho, somos todos nós, do ponto de vista da União, estados e municípios, todos precisamos trabalhar juntos para mitigar esses riscos — afirmou.
A integração de esforços, principalmente na atividade de inteligência, também foi defendida pelo senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS).
— É importante que haja esse intercâmbio, essa troca de informações, porque a gente sabe que informação é poder. Esse alerta antecipado é importantíssimo, esse trabalho de inteligência ser compartilhado e não guardado. O outro aspecto é a prevenção. Brasileiro não gosta de prevenção — afirmou.
O senador Jorge Seif (PL-SC) disse que é preciso educar a sociedade e ajudar os prefeitos a dragar os rios, visto que muitas enchentes e catástrofes que ocorrem e afetam a população catarinense “são por conta das cheias dos rios que estão muitas vezes com sofás, com carros e lixo”, o que compromete a vazão das águas.
A senadora Damares Alves (Republicanos-DF) defendeu a apresentação de um protocolo como forma de evitar a violação de direitos humanos das populações atingidas por fenômenos climáticos. Em muitos abrigos que acolhem os desabrigados, é comum a convivência entre mulheres vítimas de violência e o próprio agressor, afirmou a senadora, que também defendeu a realização de iniciativas para a substituição de documentos perdidos em enxurradas.
Fonte: Agência Senado