No feriado de 21 de abril de 1993, os brasileiros foram às urnas decidir se o país voltaria a ser monarquia ou continuaria sendo república e também se seria instaurado o parlamentarismo ou mantido o presidencialismo
Ricardo Westin
Publicado em 5/4/2023
Há exatos 30 anos, a televisão brasileira transmitia diariamente episódios de uma propaganda eleitoral peculiar. Não se viam candidatos pedindo voto para cargos eletivos. O que estava em jogo era algo bem maior: a própria estrutura política e administrativa do Brasil.
No feriado de 21 de abril de 1993, após dois meses de propaganda eleitoral, os brasileiros foram às urnas decidir se o país voltaria a ser monarquia ou continuaria sendo república e também se seria instaurado o parlamentarismo ou mantido o presidencialismo.
Documentos desse plebiscito guardados hoje no Arquivo do Senado, em Brasília, mostram que havia senadores de todas as tendências. Eles usaram os microfones do Plenário para defender a forma e o sistema de governo que julgavam mais adequados para o país.
Parlamentarista, o senador Pedro Simon (PMDB-RS) argumentou:
— Será que não se entende que o presidencialismo é o regime da irresponsabilidade do parlamentar? Se sou deputado, começo apoiando o presidente. Às vésperas da eleição, brigo com o presidente, nada tenho a ver com os projetos dele e voto contra. A minha eleição depende só de mim, do meu prestígio.
Simon continuou:
— O parlamentarismo, ao contrário, é o regime da responsabilidade. O deputado tem o seu destino ligado ao gabinete ministerial [liderado pelo primeiro-ministro]. Se o primeiro-ministro for mal, o presidente da República dissolverá o gabinete e também o Congresso. O deputado terá que votar bem para que o gabinete vá bem.
Do lado presidencialista, o senador Epitácio Cafeteira (PDC-MA) criticou a ideia de o poder ser repartido entre um primeiro-ministro forte (à frente do governo, eleito indiretamente) e um presidente fraco (à frente do Estado, eleito diretamente):
— Nós, que lutamos no velho MDB em torno do direito de o povo escolher o seu governo, de repente vimos que muitos se separaram. Em vez das Diretas Já, da luta que teve o respaldo do povo nas ruas e nas praças, agora temos uma luta das “Indiretas Já”, pelo parlamentarismo, para que os políticos escolham pelo povo quem vai governar o país. O povo escolhe o presidente, mas este não governa, apenas reina. Quem governa é a classe política, através do gabinete.
O senador Valmir Campelo (PTB-DF), também presidencialista, acrescentou:
— O que não se compreende é o alvoroço dos adeptos do governo de gabinete em adotar um regime que, ao contrário do que vem sendo apregoado, não garante a solução dos nossos problemas e a promoção do crescimento econômico e da justiça social. O que não se compreende é essa ânsia quase juvenil pela aventura, esse passo rumo ao desconhecido.
Enquanto a balança no Senado ficou equilibrada entre o parlamentarismo e o presidencialismo, no quesito forma de governo ela pendeu com força para o lado da república. Os debates parlamentares praticamente a ignoraram a monarquia.
As pesquisas de intenção de voto já adiantavam que a monarquia não tinha chance e a república ganharia de lavada. Monarquista assumido no Senado, só havia Ney Suassuna (PMDB-PB). Em janeiro, ele revelou seu posicionamento num diálogo com o senador Jarbas Passarinho (PDS-PA).
— Defendo não o presidencialismo, mas o semipresidencialismo — discursou Passarinho. — O povo precisa ter o referencial central do presidente da República eleito, o que não ocorre num sistema parlamentarista em que de quatro em quatro meses tenhamos de mudar primeiros-ministros.
— Se Vossa Excelência é semipresidencialista, faço um pedido: considere-se também semimonarquista. Pondere, pense e deixe nas suas conjecturas também a alternativa monarquista, porque seria um grande ganho para a nossa causa — pediu Suassuna.
— Aleluia! Eu não sabia que havia no Senado um forte concorrente a barão ou duque! — respondeu, em tom de brincadeira, Passarinho.
— Não — devolveu, sério, Suassuna. — Só teremos a família real em primeiro grau. Os demais [nobres] não existirão. Mas será, com certeza, mais permanente e econômico.
— Então Vossa Excelência já tirou todas as minhas aspirações. Se houvesse a monarquia, eu iria pleitear pelo menos o baronato de Xapuri. Mas, pelo que Vossa Excelência está dizendo, não poderei nem isso ter — concluiu Passarinho, entre risos, referindo-se à cidade do Acre onde nasceu.
Nas páginas dos jornais e nos programas da TV, a monarquia ganhava destaque só por causa do inusitado e da curiosidade popular. Muito se noticiou, por exemplo, sobre a briga entre os descendentes de D. Pedro II pelo direito de ser coroado em caso de vitória no plebiscito. A revista Manchete publicou o perfil de um deles chamando-o de D. Pedro III.
— Quando ouço dizerem que se deve votar no rei, pergunto-me: “Em qual rei?”. Porque parece que há dois candidatos, o Pedrão e o Pedrinho. A luta vai ser muito grande — alfinetou o senador Epitácio Cafeteira.
Outros senadores avaliaram que seria uma aberração voltar um século na história e “desproclamar” a república.
— A monarquia não se coaduna com a democracia, por impedir que o povo escolha seu governante — discursou o senador Valmir Campelo. — Além disso, concentra excessivo poder nas mãos de um único indivíduo, o que é extremamente perigoso. E não há qualquer garantia de que o titular do poder seja de fato preparado e detenha liderança e carisma para o exercício de suas funções. Haverá quem diga que o rei, limitando-se à função de Poder Moderador, não governa de fato. Estaremos, então, diante de uma inutilidade, de um simples adereço, de um totem para o qual serão carreados recursos oriundos do povo.
— O Império foi tresloucado. E não só porque teve a mancha da escravidão, que é terrível — criticou o senador Cid Saboia de Carvalho (PMDB-CE). — D. Pedro I, irritado, era capaz de sufocar com sangue qualquer movimento. D. Pedro II também não teve clemência em determinados momentos. A Guerra do Paraguai é a coisa mais ridícula da história do Brasil. Até hoje não há quem a explique. Estamos no século 20, na era do computador, e agora há essa história de rei. Isso é uma autêntica palhaçada!
Mesmo opondo-se à restauração imperial, o senador Eduardo Suplicy (PT-SP) ofereceu um conselho aos monarquistas. Sugeriu que, caso quisessem mesmo vencer o plebiscito, esquecessem o sangue azul:
— Deveríamos pensar em outra família, não nos descendentes da família real portuguesa. Quem sabe uma família daqueles que vieram forçados, como escravos, da África? Ou deveríamos pensar num rei descendente de Zumbi dos Palmares? Mais legítimo ainda seria escolher um rei descendente de um dos caciques das diversas tribos indígenas que aqui habitam há muito mais tempo do que os portugueses que colonizaram o Brasil.
A lei determinou que três frentes se formassem para falar na propaganda eleitoral: a da monarquia parlamentarista (com rei e primeiro-ministro), a da república parlamentarista (com presidente e primeiro-ministro) e a da república presidencialista (com presidente apenas).
Não houve a frente da monarquia presidencialista porque tal arranjo é impossível. Um país não pode ter rei e presidente ao mesmo tempo.
O senador Nelson Wandekin (PDT-SC) acusou as duas frentes republicanas de promover apenas o parlamentarismo e o presidencialismo e deixar de lado a defesa da república. Para ele, a frente monarquista, mesmo estando na prática fora do páreo, poderia fazer a sociedade enxergar a república com maus olhos:
— A frente favorável à monarquia vai falar sozinha todos os dias. Dizem-me: “Mas não há nenhuma chance de a monarquia ganhar”. Todos nós, republicanos, estamos cometendo uma enorme irresponsabilidade. Não usaremos o nosso tempo para defender cem anos, mal ou bem, da nossa república, alguma coisa que tem a ver com os avanços sociais, institucionais e políticos do nosso país.
Wandekin aproveitou para alfinetar os monarquistas.
— É preciso reconhecer que a monarquia está um tanto abalada com esses últimos acontecimentos de um certo e conhecido príncipe europeu e suas conversas gravadas ao telefone com uma certa dama casada — disse o senador, referindo-se à divulgação, dias antes, de uma conversa telefônica picante do então príncipe Charles, do Reino Unido, com Camilla Parker Bowles quando ele ainda estava casado com a princesa Diana.
As frentes foram suprapartidárias. A maioria das siglas se dividiu internamente entre o parlamentarismo e o presidencialismo e liberou seus políticos e filiados para votarem como quisessem.
Poucos partidos fecharam questão. O PSDB encampou o parlamentarismo. O PT, por sua vez, o presidencialismo. O chefe do partido, Luiz Inácio Lula da Silva, era inicialmente parlamentarista e mudou de lado para acompanhar a posição partidária. Por essa razão, o presidente do PDT, Leonel Brizola, chamou Lula de “biruta” — o pedetista já sabia que o petista seria seu adversário na corrida presidencial de 1994.
No Senado, Eduardo Suplicy saiu em defesa do presidente do PT e explicou que não se tratava de conveniência política:
— Leonel Brizola referiu-se de maneira desrespeitosa a Lula quando mencionou que este estaria atuando conforme a direção do vento. Brizola não levou em conta o procedimento democrático do Partido dos Trabalhadores de realizar um plebiscito interno, ao qual compareceram 90 mil filiados, resultando que 70% votaram pelo presidencialismo e 24,5%, pelo parlamentarismo, resultado ainda a ser confirmado pela apuração final.
Em 1889, logo após liderar o golpe de Estado que derrubou D. Pedro II e a monarquia, o marechal Deodoro da Fonseca assinou uma lei determinando que o povo brasileiro oportunamente se manifestaria nas urnas sobre a continuidade ou não da república.
O plebiscito de 1993 não teve relação com essa lei. Deodoro, ao notar que não viria nenhuma tentativa de restauração monárquica, desistiu da ideia de legitimar a república pelo voto popular e baixou meses depois uma nova norma tornando crime a tentativa, por qualquer via, de implodir a forma republicana de governo.
A consulta de 1993 tampouco teve relação com um plebiscito organizado 30 anos antes. Em 1963, os brasileiros foram às urnas e votaram pela volta do presidencialismo, pondo fim a uma experiência parlamentarista que durou apenas um ano e quatro meses.
No curto período parlamentarista, uma grande fatia do poder do presidente da República foi entregue ao primeiro-ministro. O presidente foi sempre João Goulart. Por outro lado, foram três os primeiros-ministros, sendo Tancredo Neves o mais longevo deles, com dez meses no poder.
Essa, contudo, não foi a primeira vez que o Brasil teve primeiro-ministro. O país também foi parlamentarista durante o reinado de D. Pedro II. Os primeiros-ministros eram escolhidos no Senado.
O plebiscito de 1993 foi convocado por determinação da Constituição de 1988. Na Assembleia Nacional Constituinte, muitos deputados e senadores desejavam converter ao país ao parlamentarismo, muitos deles motivados pelo trauma dos 21 anos da ditadura militar, na qual os generais presidentes deram todas as cartas.
O que vingou na Constituição, porém, foi o presidencialismo. Os parlamentaristas de 1988 não se deram por vencidos e conseguiram incluir na Carta Magna a possibilidade de virar o jogo cinco anos depois. O senador Nelson Carneiro (PMDB-RJ) revelou qual foi a última estratégia dos constituintes que queriam o parlamentarismo:
— O artigo [prevendo o plebiscito] só existe pela iniciativa do deputado [monarquista] Cunha Bueno [PDS-SP], que pôs na Constituição a consulta sobre a restauração da monarquia. Derrotado o parlamentarismo, os parlamentaristas, inclusive eu, se apropriaram da emenda de Cunha Bueno para preservar também a hipótese do parlamentarismo.
Em abril de 1993, quando os eleitores foram às urnas, o Brasil ainda se recuperava de um turbilhão político. O presidente Fernando Collor de Mello havia sofrido impeachment em dezembro de 1992. Quem governava era o presidente Itamar Franco, que não interferiu na campanha eleitoral.
As três frentes usaram a queda de Collor em seus programas. Para os monarquistas, o rei garantiria a estabilidade política que faltava ao Brasil. Na análise dos parlamentaristas, a queda de um primeiro-ministro saído do Parlamento não prejudicaria tanto o país quanto a de um presidente eleito pelos cidadãos. Os presidencialistas, por sua vez, argumentaram que um presidente poderia ser facilmente removido sempre que fizesse um mau governo.
O senador presidencialista Valmir Campelo discursou:
— Reivindicam os parlamentaristas, como exclusividade do regime, a estabilidade política. Parecem desconhecer os Estados Unidos, precursores do presidencialismo e a maior democracia do mundo. Ignoram o impeachment do presidente Fernando Collor, que resultou na sua substituição sem que houvesse qualquer dano de natureza institucional. Dizem que o presidente da República tem poderes ditatoriais, quase ilimitados, enquanto o governo de gabinete evitaria tal concentração de poderes. Lembro que algumas das mais cruéis e beligerantes ditaduras do mundo tiveram origem no regime parlamentar, como as de Hitler, Mussolini e Franco.
O senador parlamentarista Pedro Simon fez um lamento quando compreendeu que a ideia que defendia acabaria sendo derrotada nas urnas:
— Uma boa parte do povo acredita nesta ideia fantástica: “Se não der, a gente tira”. O brasileiro, desgraçadamente, age dessa forma. O que vale é a última história, a “lavada” que foi tirar o Collor. Não temos memória. Em 102 anos de presidencialismo, só tiraram um. Melhor seria que não tivesse havido impeachment. Estaríamos com um Collor fazendo desgraça, mas provavelmente passava o parlamentarismo.
O senador Ney Maranhão (PRN-PE) interrompeu o colega:
— O nobre senador está mostrando que o presidencialismo é o cão do segundo livro, mas discordo de Vossa Excelência.
Simon retomou o raciocínio:
— No presidencialismo, quem é ruim fica. No parlamentarismo, quem é ruim cai no dia seguinte e quem é bom fica por tempo indeterminado. Na Espanha, Felipe González é primeiro-ministro há dez anos. Na Grã-Bretanha, a primeira-ministra Margaret Thatcher ficou 12 anos.
No lugar de explicar didaticamente suas próprias ideias à população, as frentes se dedicaram com mais afinco a enxovalhar as ideias adversárias. Para a propaganda eleitoral, recrutaram artistas famosos como porta-vozes.
— Uma das maiores tristezas de um povo é não poder escolher o governante de seu país — afirmou o ator presidencialista Milton Gonçalves, referindo-se ao fato de o primeiro-ministro não ser eleito pela população.
— Parlamentarismo, com eleição direta para presidente. Este eu ainda não conheço bem, mas dizem que é muito bom. Presidencialismo. Este eu conheço de sobra e é exatamente por isso que eu não quero nunca mais — rebateu a atriz parlamentarista Neusa Borges.
— Os presidencialistas vivem dizendo que o Congresso não representa bem o país porque, por exemplo, não tem metade de homens e metade de mulheres. E o presidente? O presidente, por acaso, é metade homem e metade mulher? — argumentou o ator monarquista Hugo Carvana.
— Para você ver como é absurdo esse argumento, né? — concordou a atriz monarquista Cissa Guimarães. — Votando no rei, você ganha muito mais que um rei. Você ganha o sistema de governo mais moderno e democrático que existe: o parlamentarismo monárquico. É o único que contém voto distrital misto, a maneira mais simples de eleger um Congresso eficiente e que realmente represente a população brasileira.
Milton Gonçalves, Neusa Borges e Hugo Carvana eram estrelas da novela De Corpo e Alma, o grande sucesso da TV Globo naquele momento. Cissa Guimarães havia atuado no ano anterior na novela Perigosas Peruas.
O nível das campanhas foi duramente criticado no Senado.
— Ontem à tarde, liguei a televisão e vi um cidadão forte com um binóculo procurando no espaço alguma coisa. Não encontra e diz: “Não encontrei nenhum presidencialista, somente o Brizola”. Ele ri e continua: “Mas o Brizola está gagá”. Senhores senadores, não era essa a dimensão que eu esperava que fosse dada ao plebiscito — indignou-se o senador Francisco Rollemberg (PFL-SE).
— Vieram as objeções as mais idiotas possíveis — afirmou o senador Cid Saboia de Carvalho. — Por exemplo, num programa de ontem na TV Record, escolheram um sujeito horroroso para fazer a seguinte pergunta: “Se os políticos não são honestos, como é que vão eleger o primeiro-ministro?”. Digo que a verdadeira desonestidade é essa generalização. Quando chamo os políticos de desonestos, tenho que dizer quem e por quê. Se examinarem no âmbito do Senado, da Câmara e da vida partidária, encontrarão pessoas absolutamente abnegadas às causas políticas.
— Está havendo uma confusão tal que outro dia, em minha casa, ouvindo uma conversa das empregadas domésticas, escutei-as dizerem que, se voltar a monarquia, voltará a escravidão — relatou o senador Jutahy Magalhães (PMDB-BA). — Pensei que aquilo fosse apenas desinformação de pessoas menos esclarecidas, mas, por coincidência, lendo a seção do plebiscito no jornal O Globo, uma das perguntas que havia era: “Se voltar a monarquia, voltará a escravidão?”. Este debate está se parecendo com o das eleições estaduais e municipais, em que a preocupação de um candidato e criticar o outro, e não a de esclarecer o público sobre o que vai fazer.
Diante de tanta desinformação, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Paulo Brossard, viu-se obrigado a aparecer na propaganda eleitoral da TV para tentar explicar de forma imparcial o que significavam os quatro quadradinhos da cédula de votação. Não deu muito certo. Técnicas demais, as palavras que o ministro escolheu foram incompreensíveis para o povo.
Como o voto era no papel, o apuração do plebiscito foi concluída poucos dias depois do feriado de Tiradentes. O resultado não surpreendeu ninguém. Venceram a república, com 66% dos votos, e o presidencialismo, com 56%. Tudo ficaria como estava.
Na forma de governo, os votos brancos e nulos (23%) foram mais numerosos que os dados à monarquia (10%). A abstenção foi considerável. Dos 90 milhões de eleitores, 23 milhões não se sentiram motivados a ir às urnas (26% do total).
Quando o resultado se tornou oficial, o senador Pedro Simon lamentou:
— Parece mentira, mas o povo brasileiro vai ficar marcado na história por, nas duas únicas vezes em que foi chamado a opinar, ter dito “não” ao parlamentarismo. Agora voltaremos assistir à essência do sistema presidencialista. As pessoas vão dizer que “Lula e o PT vão salvar o Brasil”, que “Maluf é o centro e esta é a hora do centro” e que “Brizola é um homem que já tem conteúdo e condições”. Voltaremos ao velho filme: as pessoas serão as salvadoras. Foi assim com Getúlio, Juscelino, Jânio e Tancredo. Por mais competentes que sejam, as pessoas estão sujeitas a fatalidades, tais como a renúncia, o impeachment e até a morte. Os salvadores da pátria e os santos milagrosos não existem.
O senador Ney Maranhão fez outra leitura:
— Antes do plebiscito, os parlamentaristas já anunciavam vitória. O povo, no entanto, na sua sabedoria, preferiu não se arriscar num programa que não conhecia e percebeu que precisamos primeiro aperfeiçoar este regime. Passaram-se quase 30 anos para que enfim pudéssemos votar em um presidente. Esse também é um dado muito importante, pois, a cada vez que vota, o povo adquire mais experiência no exercício da democracia.
Na avaliação do historiador e professor Roberto Biluczyk, que escreveu uma dissertação de mestrado sobre o plebiscito de 1993, a população não se engajou naquela discussão por vários motivos, como a disputa ter sido entre projetos políticos quase abstratos, e não entre candidatos, e a campanha não ter sido didática o suficiente.
— Perdeu-se a oportunidade de incluir a sociedade nos grandes debates políticos do país. Ela poderia ter passado a entender, por exemplo, o funcionamento e a importância do Congresso Nacional, que até hoje não é muito bem compreendido e é fonte de desconfianças. A sociedade também poderia ter passado a entender como esta quantidade enorme de partidos afeta o andamento da política. Se a discussão tivesse sido aprofundada e envolvido o povo, provavelmente a nossa democracia hoje teria mais qualidade e seria mais valorizada.
Biluczyk destaca duas mudanças ocorridas no Brasil em decorrência da consulta popular de 1993. A primeira foi que os integrantes da antiga família imperial brasileira ficaram conhecidos, o que permitiu que o movimento monarquista pós-plebiscito ganhasse adeptos e que descendentes de D. Pedro II entrassem na política.
A segunda mudança foi que, uma vez batido o martelo pela continuidade do presidencialismo, Itamar Franco deixou de encarar seu governo como provisório ou tampão e enfim passou a governar para valer. Menos de um mês depois do plebiscito, o presidente empossou no Ministério da Fazenda o parlamentarista Fernando Henrique Cardoso, que cuidaria da elaboração do Plano Real e o sucederia no Palácio do Planalto.
Saiba mais:
- Pesquisa do historiador Roberto Biluczyk mostra o caminho político até o plebiscito de 1993
- Arquivo S mostra a instauração e a derrubada do parlamentarismo no início dos anos 1960
- Todas as reportagens do Arquivo S
- Página do Arquivo do Senado na internet
A seção Arquivo S, resultado de uma parceria entre a Agência Senado e o Arquivo do Senado, é publicada na primeira sexta-feira do mês no Portal Senado Notícias.
Reportagem: Ricardo Westin
Edição: Mayra Cunha
Pesquisa histórica: Arquivo do Senado
Edição de foto e vídeo: Bernardo Ururahy
Design e finalização de vídeo: Aguinaldo Abreu
Arte de capa: Aguinaldo Abreu
Fonte: Agência Senado