Tiradentes, Aleijadinho, Machado de Assis, Santos Dumont, Paulo Freire, Oscar Niemeyer e Chico Mendes. Além de serem personalidades conhecidas — e de grande destaque na história do Brasil — todos têm um título em comum: o de patrono brasileiro.
O educador e filósofo pernambucano Paulo Freire (1921-1997), por exemplo, passou a ser reconhecido como patrono da educação brasileira em 2012. Um dos mais renomados teóricos da educação do século 20, Freire dedicou grande parte da sua vida à alfabetização e à educação da população pobre.
Seu livro mais conhecido, Pedagogia do Oprimido, é considerado um clássico na área. Já o sindicalista e líder seringueiro acriano Chico Mendes (1944-1988), assassinado em 1988 a mando de um grileiro de terras por seu ativismo político, foi declarado patrono nacional do meio ambiente com a sanção da Lei 12.892, de 2013 (ao fim desta reportagem veja um infográfico com informações sobre os principais patronos brasileiros).
Mas o que é ser um patrono? Por definição, o título destina-se a alguém que defende uma causa, um ponto de vista. Pode ser um escritor, cientista ou artista escolhido pela academia para ser o tutor de suas cadeiras. Ou ainda um criador, padroeiro, protetor ou representante de uma ideia ou até mesmo da sua classe.
A escolha dos patronos no Brasil muitas vezes é feita por senso comum e popular. Mas para se tornar oficial, o título deve ser aprovado em lei pelo Congresso.
O consultor legislativo do Senado Francisco José Coelho Saraiva aponta que a patronagem deve ter sentido cívico e ser vinculada a uma personalidade com passado histórico que seja relevante para o presente.
— São as pessoas do presente que se voltam para alguém que atuou, no passado, de um modo marcante e exemplar dentro de determinado âmbito, passando tais pessoas, na medida em que integram o referido âmbito, a ficar sob sua proteção ou tutela. A concessão do título de patrono se faz sempre por meio de uma releitura do passado, que tem por crivo valores culturais e políticos do presente — explicou Francisco, que se dedica à área de cultura e esporte.
A lei que estabelece critérios para a outorga do título de patrono ou patrona (Lei 12.458, de 2011) considera que a honraria deve ser destinada como uma forma de homenagem a pessoas que se destacam ou representam determinadas categorias como unidades militares, classes profissionais, ramos do conhecimento ou artes, academias e instituições, movimentos sociais e eventos culturais, científicos ou de interesse nacional.
Senado
As linhas de Oscar Niemeyer (1907-2012), que recebeu em vida o título de patrono da arquitetura brasileira (Lei 11.117, de 2005), são inconfundíveis na cúpula que abriga o Plenário do Senado e também em seu interior. Na grande parede em aço e espelhos atrás da mesa da Presidência, há espaço para um crucifixo e, em tamanho maior, o busto em bronze do jurista, jornalista, diplomata, escritor e político Ruy Barbosa (1849-1923).
Tamanha distinção se deve ao fato de o baiano Ruy ser patrono do Senado e da advocacia. Ele foi o primeiro ministro da Fazenda e da Justiça do período republicano, representou o Brasil na Conferência de Haia de 1907, que estabeleceu importantes normas de direito internacional, e foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras (ABL), que presidiu entre 1908 e 1919. Sua data de nascimento, 5 de novembro, marca o Dia da Ciência e Cultura.
Pioneiro
Em 1959 o Congresso Nacional aprovou a primeira lei dando a uma personalidade o título de patrono. O ex-deputado federal alagoano Aureliano Cândido Tavares Bastos (1839-1875) foi designado patrono dos municípios brasileiros (Lei 3.555, de 1959).
Além de ter sido o parlamentar mais novo em sua legislatura, eleito aos 22 anos de idade, Tavares Bastos foi escritor, jornalista, doutor em direito e um dos pioneiros na defesa da pauta federalista e da independência dos municípios.
Um dos nomes mais conhecidos da história do país, o do inconfidente mineiro Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes (1746-1792), só recebeu o título de patrono da nação brasileira em 1965, em plena ditadura (Lei 4.897, de 1965). Tiradentes também é patrono das polícias militar e civil de todo o país.
Para o consultor Francisco, a escolha do herói popular Tiradentes pelos militares teve o propósito de “legitimar a ditadura”.
— Essa lei tinha um claro propósito de buscar certa legitimação para a recém-implantada ditadura militar, trazendo a si o símbolo de um herói popular, que atuou contra os poderes coloniais constituídos e foi por eles martirizado, tornando-se, com a proclamação da República, um dos símbolos máximos do heroísmo pátrio.
Francisco lembra ainda que, curiosamente, quando o Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves foi criado como marco da redemocratização do país na Praça dos Três Poderes, em Brasília, não foi o nome de Tancredo, mas sim o de Tiradentes a ser primeiramente inscrito no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria.
Para o senador Carlos Viana (PL-MG), Tiradentes espelha “o sentimento da população que conhece a história e não aceita a imposição, a tirania ou injustiças com relação àqueles que trabalham e produzem”. O alferes se tornou o primeiro herói brasileiro após a Independência, em 1822, pela participação na Inconfidência Mineira, movimento separatista contra o domínio português.
— Em Minas Gerais nós prezamos muito a história da liberdade —, diz Viana, que ressalta a importância da patronagem como reconhecimento e agradecimento pelos atos do homenageado.
Primeiro presidente civil após 21 anos de ditadura militar, Tancredo Neves (1910-1985) só ganhou o título de patrono da redemocratização no ano passado (Lei 14.371, de 2022). Advogado, empresário e político, Tancredo de Almeida Neves foi deputado estadual, deputado federal por quatro legislaturas, senador, ministro da Justiça e Negócios Interiores no governo de Getúlio Vargas, primeiro-ministro no governo João Goulart, governador de Minas Gerais e presidente da República eleito pelo Colégio Eleitoral (formado pelas duas casas do Congresso) em 15 de janeiro de 1985. No entanto, em 14 de março, véspera da posse, adoeceu gravemente e morreu em 21 de abril aos 75 anos. Seu companheiro de chapa, José Sarney, assumiu a Presidência e completou o mandato em 1990.
Conhecido no Brasil como “o pai da aviação”, Alberto Santos-Dumont (1873-1932) ganhou o título de patrono da Aeronáutica (Lei 7.243, de 1984). O inventor e aeronauta foi o primeiro a projetar e construir um balão dirigível que decolou, contornou a Torre Eiffel e aterrizou valendo-se da força de um motor a gasolina. Em 1906, em Paris, Santos Dumont voou com o 14-Bis, avião projetado e construído por ele. O “aparelho mais pesado que o ar” decolou e pousou com um motor de 50 cavalos na presença de integrantes da Comissão Oficial do Aeroclube da França. O título de inventor do avião é disputado por outros aviadores, como os norte-americanos irmãos Wright. No entanto, seu voo em 1903, anterior ao de Santos Dumont, saiu do chão com a ajuda de uma catapulta. O brasileiro também é o inventor do relógio de pulso.
Mesmo contemporânea, a Lei dos Patronos sofreu uma alteração recentemente. A Lei 13.933, de 2019, definiu que o título de patrono só pode ser atribuído a quem tiver morrido há mais de dez anos. O autor do projeto que originou a norma, senador Lasier Martins (Podemos-RS), explica que a lei, da forma que vigorava, perdia sua autenticidade e seu simbolismo, já que a mudança se aplicava também para as inclusões no Livro Heróis e Heroínas da Pátria.
— Em nosso país, existe a nada meritória tradição de que pessoas vivas se aproveitem de certas brechas legais para a promoção pessoal, algo nada condizente com a valorização de ideais éticos e morais — disse.
Com uma extensa lista de homenagens a personalidades masculinas, o Brasil tem apenas duas mulheres nomeadas patronas: Rose Muraro, do feminismo (Lei 11.261, de 2005), e Carmen Portinho, do Urbanismo, (Lei 14.477, de 2022). Nascida em 1903 em Corumbá (MS), Carmen Velasco Portinho (1903-2001) foi engenheira geógrafa, engenheira civil, urbanista e professora de matemática. Ao lado de Bertha Lutz, Jerônima Mesquita e Stella Durval, fundou a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino. Carmen ocupou o cargo de engenheira-chefe na Diretoria de Obras da Prefeitura do Distrito Federal em 1934 e também se tornou diretora do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro em 1951. Foi ainda uma das fundadoras da Revista Diretoria de Engenharia, cuja primeira edição foi publicada em 1932. O periódico foi uma das publicações mais importantes sobre arquitetura moderna no Brasil. A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), relatora do projeto que originou a homenagem a Carmen (PL 1.679/2022), destacou a importância da sufragista no urbanismo brasileiro e na busca pela defesa de temas caros ao movimento feminista. que é a personalidade mais recente a receber o título.
— Na vanguarda da profissão, como uma das três primeiras mulheres a se formarem engenheiras no Brasil, ela abria espaço em um campo de estudo com domínio inteiramente masculino — disse Eliziane na sessão que aprovou a proposta, em agosto do ano passado.
Considerada uma das mais importantes pioneiras do feminismo no Brasil, Rose Marie Muraro (1930-2014) foi uma escritora, intelectual e líder do movimento dos direitos da mulher. Sua obra mais conhecida, de 1983, A Sexualidade da Mulher Brasileira, foi um dos poucos trabalhos sobre o tema até então no país.
Atualmente existem quatro projetos de lei que pretendem patronar cidadãos brasileiros. Entre eles, está a proposta que nomeia o ex-piloto tricampeão da Fórmula 1, Ayrton Senna (1960-1994), como patrono do esporte brasileiro (PL 2.793/2022).
Estagiário:
Vinícius Vicente Lamb, sob supervisão de Patrícia Oliveira
Pesquisa e edição de fotos:
Ana Volpe e Bernardo Ururahy
Edição:
Maurício Müller
Infografia:
Diego Jimenez
Imagem de capa:
“Martírio de Tiradentes”,
de Aurélio de Figueiredo
Agência Senado