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IPEA
As principais causas determinantes são os problemas com familiares e companheiros (47,3%); o desemprego (40,5%); o uso abusivo de álcool e outras drogas (30,4%) e a perda de moradia (26,1%)
Problemas familiares e desemprego são as razões mais apontadas por pessoas em situação de rua para explicar sua circunstância. A exclusão econômica, dimensão que envolve o desemprego, a perda de moradia e a distância do local do trabalho, é citada por 54% das pessoas. Problemas de saúde – particularmente, mas não somente, aqueles relacionados à saúde mental – são apontados por 32,5%. A fragilização ou ruptura de vínculos familiares é citada por 47,3% e lidera a estatística que leva em consideração somente motivos individuais. O levantamento apresenta os valores absolutos e os percentuais das causas autodeclaradas de situação de rua. Essas causas não são excludentes, por isso os percentuais somam mais de 100%.
Levando em consideração somente motivos individuais, além da liderança dos problemas com familiares e companheiros (47,3%), aparecem razões como desemprego (40,5%), alcoolismo e outras drogas (30,4%), perda de moradia (26,1%), ameaça e violência (4,8%), distância do local de trabalho (4,2%), tratamento de saúde (3,1%), preferência ou opção própria (2,9%) e outros motivos (11,2%). Entretanto, é importante notar que as causas para a situação de rua no Brasil podem ser organizadas em três dimensões: a exclusão econômica, envolvendo a insegurança alimentar, o desemprego e déficit habitacional nos grandes centros; a fragilização ou ruptura de vínculos sociais, particularmente vínculos familiares e comunitários, por meio dos quais essas pessoas poderiam ser capazes de obter acolhimento em situações de dificuldade; e os problemas de saúde – particularmente, mas não somente, aqueles relacionados à saúde mental.
Os resultados são parte de uma série de dados presentes no texto para discussão “A população em situação de rua nos números do Cadastro Único”, de autoria do especialista em políticas públicas e gestão governamental da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais (Disoc) do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Marco Natalino, divulgado nesta segunda-feira (11). O trabalho analisa os dados sobre a população em situação de rua disponíveis no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (Cadastro Único ou CadÚnico), apresentando um perfil desse público.
A dimensão econômica se manifesta em três motivos elencados entre os motivos individuais: desemprego, perda de moradia e distância do local de trabalho. Por isso, quando conjugados, essa dimensão aparece como a principal razão dada por pessoas em situação de rua para falar sobre sua circunstância. É comum que as três dimensões usadas para organizar os dados se manifestem ao mesmo tempo. Por exemplo, metade daqueles que alegam motivações ligadas à saúde também apontam razões familiares para a situação de rua e 44% deles acrescentam motivações econômicas. Entre aqueles que falam em problemas familiares, 42% também têm motivações econômicas como causa de sua situação de rua e 34% relatam motivos de saúde.
A análise mostra também que o tempo de permanência na rua está fortemente associado ao motivo para a situação de rua. Os problemas familiares estão associados a um tempo de permanência a maior. Isso ocorre também com os motivos relacionados à saúde, em especial pelo uso abusivo de álcool e outras drogas. Por outro lado, razões econômicas, como o desemprego, estão associadas a episódios de rua de mais curta duração. No agregado, 33,7% da população em situação de rua está nesta condição pelo período de até 6 meses, 14,2% entre seis meses e um ano, 13% entre um e dois anos, 16,6% entre dois e cinco anos, 10,8% entre cinco e 10 anos e 11,7% há mais de 10 anos.
O estudo dos dados realizado por Natalino revela que 70% da população em situação de rua mora no mesmo estado em que nasceu. Além disso, embora as mulheres sejam somente 11,6% da população adulta em situação de rua, representam 35% das responsáveis familiares entre a parcela que vive com as famílias nessas circunstâncias. Mesmo entre os inscritos no Cadastro Único, 24% não possuem certidão de nascimento. Entre os adultos, 29% não têm título de eleitor e 24% não possuem carteira de trabalho. Apenas 58% das crianças e adolescentes de 7 a 15 anos e em situação de rua frequentam a escola. Pelo menos 69% da população adulta em situação de rua realiza alguma atividade para conseguir dinheiro, mas apenas 1% tinha um emprego com carteira assinada.
A maioria da população em situação de rua (68%) se declara negra. Os autodeclarados brancos são 31,1%. O número médio de anos de escolaridade entre os negros em situação de rua (6,7 anos) é menor que entre os brancos (7,4 anos). Sobre a circulação no território urbano, o Formulário PopRua informa onde a pessoa costuma dormir e com que frequência semanal. Aqueles que costumam dormir na rua com alguma frequência são 58%. Um terço costuma dormir em albergues com alguma frequência. Pouco mais de 3% costumam dormir em domicílios particulares, e 12% costumam dormir em outros espaços que não se enquadram entre os anteriores.
O objetivo do estudo é, ao apresentar um diagnóstico atual da situação, colaborar com o aprimoramento das políticas públicas voltadas à população em situação de rua. Em 25 de julho, o Supremo Tribunal Federal (STF) emitiu uma medida cautelar, em resposta à Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 976. Nela, determina a necessidade de elaboração, por parte do governo federal, de um plano de ação e monitoramento para a efetiva implementação da Política Nacional para a População em Situação de Rua e determina que tal plano se baseie em um diagnóstico desse público.
A publicação apresenta informações sobre as causas da situação de rua, o tempo de permanência na rua, as migrações, as áreas de circulação e permanência, os vínculos familiares, a participação em associações da sociedade civil e em atividades comunitárias, raça/cor, as pessoas com deficiência e em situação de rua, sexo, idade, acesso à documentação, à saúde e a benefícios sociais, escolaridade, trabalho e geração de renda.
Das 96 milhões de pessoas presentes no CadÚnico, em agosto de 2023, 227 mil estavam oficialmente registradas como em situação de rua. Esse número não pode ser considerado como um censo oficial da população de rua. A pesquisa destaca a complexidade do problema, que entre diversas dimensões, dificulta inclusive um levantamento fidedigno dos números totais de pessoas nessa circunstância. A pesquisa apresenta um método para a análise dos dados do Cadastro Único para esse público – incluindo dados de painel longitudinal – que pode ser replicado para outros públicos. Esses dados em painel podem, no futuro, permitir a análise individualizada dos percursos que levam as pessoas à situação de rua, bem como dos percursos que levam uma pessoa em situação de rua para um domicílio.
O texto para discussão serve de subsídio às políticas públicas voltadas para a sociedade e órgãos de Governo. Nesta mesma data, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) lançou o Plano de Ação e Monitoramento para Efetivação da Política Nacional para a População em Situação de Rua, entregue pelo governo federal ao STF no dia 27 de novembro. Em setembro, o Ipea e o MDHC, através de um acordo de cooperação, lançaram o “Guia Inclua – Pop Rua”, uma Avaliação de Riscos de Desatenção, Exclusão ou Tratamento Inadequado da População em Situação de Rua. O guia também abasteceu o governo federal com dados para elaboração do plano.
Comunicação – Ipea
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