São 15 municípios do Amazonas e quatro de Alagoas. Sergipe e Pará tem um município, cada
As decisões “sem rigor técnico” de três desembargadores do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) em ações que reivindicam royalties para prefeituras acolheram pedidos “sem suporte técnico e legal” e que se “baseiam em nada”. As petições acolhidas têm alegações falsas, distorção de conceitos pacificados na legislação do petróleo, erros de grafia e até menções à Bíblia.
Elas confundem critérios de distribuição, cria outros, desconsideram a dinâmica da exploração e produção de petróleo e indicam municípios como produtores que não possuem poços em produção e mencionam genericamente instalações inexistentes.
Para apontar as inconsistências nas decisões, o Estadão considerou leis e decretos do petróleo, relatórios da da Agência Nacional do Petróleo (ANP), pareceres da Advocacia-Geral da União (AGU) e decisões judiciais que indeferiram os pedidos.
Ao todo, o grupo liderado por um lobista condenado por estelionato conseguiu contratos com ao menos 56 cidades. Para 21, obteve decisões favoráveis na Justiça Federal de Brasília, sendo 19 dos mesmos três desembargadores. Entenda as inconsistências das ações e das decisões:
Alvarães (AM):
O município amazonense foi o primeiro beneficiado por uma decisão judicial obtida pelo grupo do lobista Rubens de Oliveira. O pedido foi apresentado ao TRF-1 em 18 de dezembro de 2020. O desembargador Souza Prudente concedeu o direito a royalties milionários menos de um mês depois, em 11 de janeiro de 2021.
O magistrado autorizou repasses ao município pela “existência de instalações de embarque e desembarque de gás natural (pontos de entrega) sobre a produção marítima e terrestre”. O problema? Alvarães não tinha qualquer estrutura deste tipo.
A cidade não apresentou à Justiça nenhuma foto ou relatório técnico que indicasse a existência das instalações em seu território. Até junho deste ano, a cidade já havia recebido R$ 18,8 milhões em royalties.
Nhamundá (AM):
O advogado Gustavo Freitas Macedo afirmou na petição que a ANP deixa de repassar a Nhamundá (AM) “valores relativos à produção marítima devidos em razão da movimentação de entrega/citygates”. O argumento foi acolhido pelo desembargador Carlos Augusto Pires Brandão, em junho de 2021.
O magistrado determinou que a cidade recebesse royalties “na condição de detentor de instalações marítimas e terrestres de embarque e desembarque de petróleo e gás”.
Contudo, o município não possui essas instalações. Apenas as citou genericamente, sem mencionar qualquer ponto de entrega.
Faro (PA):
Em fevereiro de 2022, o desembargador Antonio Souza Prudente acolheu o argumento da existência de produção e de instalações de embarque e desembarque de gás natural em um município vizinho a Faro. O “vizinho” fica a 370 quilômetros, em Nhamundá (AM).
O Pará não possui gasodutos de transporte de gás natural nem poços produtores de petróleo. Detalhe: o vizinho citado, Nhamundá (AM), não possui produção de petróleo e os blocos indicados nem foram concedidos.
“Contestar uma ação elaborada nestes termos, torna-se um desafio de exegese porque é preciso imaginar as diversas situações as quais se refere o autor em suas alegações, para então ancorar uma linha de defesa que seja algo coerente com o que se imagina ser a reivindicação deduzida”, dizia a contestação da AGU e ANP.
Barra de São Miguel (AL):
Reduto do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a cidade alegou, por meio do advogado Gustavo Freitas Macedo, ser “confrontante” com cidades produtoras de petróleo em terra. A legislação não estabelece esse critério para garantir direito a repasses milionários, apenas residuais, por presença em uma “zona de produção”.
O desembargador Pires Brandão acolheu o pedido. A decisão foi classificada como pela ANP como “extra-petita”, ou seja, a agência entendeu que o magistrado deu mais do que o município pediu ao Judiciário. Isso porque o desembargador determinou repasse mensal de royalties em razão da existência de ‘instalações de embarque e desembarque de gás natural’ no município. Barra de São Miguel não possui essas estruturas e, portanto, não as aponto no pedido.
Atalaia do Norte (AM):
As advogadas Maria de Fátima Madruga e Marli de Oliveira alegaram que o “impacto ambiental decorre através do Bloco de Exploração AC-T-11″, localizado parcialmente nos municípios vizinhos de Cruzeiro do Sul e Ipixuna. Também falaram que Atalaia do Norte “é afetada pelo escoamento da exploração de petróleo da Bacia Sedimentar do Solimões/Amazonas”, pois “o polígono do Bloco AC-T-11, está inserido parcialmente no município”.
Contudo, o bloco citado não produz petróleo e não tem qualquer atividade petroleira porque simplesmente não foi concedido a nenhuma empresa para exploração. O desembargador Antonio Souza Prudente acolheu os argumentos em 7 de julho de 2022.
“Não há nenhuma das instalações de embarque e desembarque previstas na legislação no território do autor. O suposto city gate (ponto de entrega) que o autor alega possuir precisa de comprovação (deveria o autor indicar as coordenadas da suposta IED e demonstrar sua existência e atendimento aos requisitos legais por meio de prova pericial”, diz a área técnica da ANP.
Juruá (AM):
Afirmou que era “confrontante” com o município de Tefé e, por isso, dividia “a preservação da Floresta Nacional” e sofria “os mesmos impactos ambientais” de instalações de embarque e desembarque de gás natural e petróleo que supostamente estariam na cidade vizinha. O advogado Gustavo Freitas Macedo não indicou a localização das supostas instalações.
O pedido de Juruá foi apresentado à desembargadora Daniele Maranhão, que acolheu as alegações. Após a decisão, instada a se manifestar, a ANP afirmou que Tefé não é produtora de petróleo nem tem este tipo de instalação. Mesmo que fosse, a legislação não dá direito a pagamento de royalties à cidade “confrontante” com município produtor ou detentor de instalações.
“Houve grave erro material, pois o autor (Juruá) não é contíguo e nem limítrofe a nenhum município com poços produtores ou pontos de entrega no Estado do Amazonas!!! Está muito distante de qualquer poço produtor e/ou ponto de entrega do Estado do Amazonas!!!!”, sinalizou a agência.
São Gabriel da Cachoeira (AM):
Em 17 de setembro de 2021, o desembargador Carlos Augusto Pires Brandão mandou incluir o município “no rol de beneficiários dos royalties na condição de confrontante”. Internamente, a ANP classificou a decisão como “impossível de cumprir”, pois o critério indicado pelo magistrado não existe na lei, e apontou “inverdades” no pedido feito pelo grupo do lobista à Justiça.
O município relatou ser afetado por ponto de entrega de petróleo e gás natural, sem indicar onde estariam essas instalações. A estrutura mais próxima está a 500 quilômetros de São Gabriel da Cachoeira.
O grupo do lobista indicou que a suposta produção da cidade de Juruá lhe impactava. O município não tem poços produtores em seu território. São Gabriel da Cachoeira também alegou que a produção do bloco SOL-T-118 lhe afetava. Como o bloco ainda não foi concedido pela ANP, ou seja, não há exploração e, consequentemente, não “fato gerador para o pagamento de royalties”.
Branquinha (AL):
Os advogados apresentam mapas que afirmam ser da ANP. As imagens demonstrariam o direito da cidade a royalties mais robustos e foram citadas como provas de que a própria agência reconhecia um direito do município. Os mapas não são da ANP, mas do Instituto Brasileiro de Administração Municipal. A agência apontou o erro em recurso, mas falha não foi mencionada na decisão.
Em junho de 2022, o desembargador Pires Brandão determinou a classificação do município como “confrontante de produtor” e estipulou que a ANP repassasse royalties à prefeitura como se o município fosse “detentor de instalações de embarque e desembarque de petróleo”. A cidade não tem essas estruturas.
Boca da Mata (AL):
A cidade afirmou à Justiça que ser “confrontante com municípios produtores”, a mesma alegação usada por outros municípios representados pelo grupo do lobista Rubens de Oliveira e que não existe na legislação. ANP avaliou que havia uma “distorção sistemática da realidade fática” no pedido de Boca da Mata.
A decisão, do juiz Charles Frazão de Moraes, é uma das poucas proferidas por juiz de primeira instância. A agência acusou o município de litigância de má-fé por não ter apresentado “a verdade dos fatos” e ter agido com “deslealdade processual”.
“Invoca normas que não se aplicam à distribuição de royalties do petróleo e gás natural”, afirmou a ANP. “Pretende receber royalties sem qualquer base legal para tanto, induzindo o Judiciário a erro.”
Todas as cidades:
As 21 cidades contempladas até o momento com decisões judiciais que garantem milhões em royalties, em geral, repetem os mesmos argumentos e entendimentos listados acima. A lista de municípios beneficiados é a seguinte:
Alvarães (AM)
Atalaia do Norte (AM)
Barra de São Miguel (AL)
Barreirinha (AM)
Boca da Mata (AL)
Borba (AM)
Branquinha (AL)
Faro (PA)
Fonte Boa (AM)
Ilha das Flores (SE)
Itamarati (AM)
Juruá (AM)
Jutaí (AM)
Manacapuru (AM)
Nhamundá (AM)
Novo Airão (AM)
Rio Preto da Eva (AM)
Santa Isabel do Rio Negro (AM)
São Gabriel da Cachoeira (AM)
São Paulo de Olivença (AM)
Tabatinga (AM)
Vinícius Valfré, Julia Affonso
e Daniel Weterman/
Estadão Conteúdo