Assistida pela Defensoria Pública, ela vai responder ao processo penal em liberdade
magina estar grávida, morar em um quartinho minúsculo junto com os seus três filhos, de 1, 3 e 4 anos, e ser despejada por não ter condições de pagar R$ 300 reais de aluguel.
Esse é o drama de Patrícia*, mulher de 28 anos, desempregada, que está há oito meses em situação de rua e que viu novamente o chão sair dos seus pés, dessa vez, após ser presa em flagrante.
Ela era diarista, mas, nas ruas, sem encontrar trabalho, vendo os filhos todos os dias passar fome, foi induzida a furtar produtos de higiene, como sabonete, prestobarba, pasta de dente e calcinhas em uma unidade das Lojas Americanas no Shopping da Bahia (antigo Iguatemi), na capital.
O delito aconteceu em um sábado, no fim de janeiro. Ela foi abordada pela segurança da loja e encaminhada pela polícia para o Núcleo de Prisão em Flagrante (NPF), na Av. Antônio Carlos Magalhães, onde a Defensoria Pública do Estado da Bahia – DPE/BA funciona, todos os dias, em regime de plantão.
Patrícia contou à Defensoria que foi cooptada por uma mulher, que a entregou uma mochila com os itens dentro, com a promessa de pagar um pequeno valor em dinheiro.
A bagatela seria usada para comprar alimentos e suprir a fome dos filhos. A missão era simples: apenas sair da loja com a mochila. Quando o alarme soou, não teve jeito. Foi detida pela segurança local. Já a mentora fugiu do shopping.
Furtos famélicos
Casos como esse são conhecidos como “furtos famélicos”, ou furtos por fome, quando a pessoa subtrai comida, medicamentos, produtos de higiene ou itens básicos para sobreviver. A DPE/BA fez um levantamento mostrando o aumento desses casos de 2017 a 2021.
De acordo com a defensora pública Flávia Apolônio, plantonista que acompanhou Patrícia na audiência de custódia, a decretação da liberdade provisória foi solicitada com prioridade ao juiz, sem fiança, por causa da situação de miserabilidade da assistida da Defensoria.
“Um aspecto me chamou muito a atenção. Ela era muitíssimo magra, mesmo grávida, com um pouco de barriga. Chegou à Defensoria abatida e preocupada com as crianças, que estavam sendo cuidadas por outra mulher, que também está em situação de rua”, conta a defensora.
Segunda Flávia, o magistrado atendeu de imediato ao pedido e concedeu Alvará de Soltura, negando a prisão preventiva solicitada pelo Ministério Público. A decisão judicial alega não ser razoável mantê-la presa, inclusive “para evitar os efeitos deletérios causados pelo cárcere”. Argumenta, ainda, que nada sugere que a liberdade de Patrícia colocaria em risco a ordem pública ou o livre exercício de atividades econômicas.
Após a soltura, a DPE/BA contatou as equipes do programa Corra Pro Abraço, que atua com pessoas em vulnerabilidade social, para fazer o acolhimento de Patrícia. Até o fechamento desta matéria, ela não foi encontrada pela equipe de comunicação para dar entrevista e nem pela equipe do Núcleo pop Rua da Defensoria, já que não tem telefone e costuma deslocar-se muito pelas ruas de Salvador, sem local fixo de permanência.
Insignificância
No Direito, o princípio da insignificância põe limites no poder repressivo do Estado. Para que um ato seja considerado insignificante, de acordo com o entendimento jurisprudencial do STF, é preciso que haja a mínima ofensividade da conduta da pessoa; nenhuma periculosidade social da ação; reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e inexpressividade da lesão jurídica provocada.
“O caso de Patrícia atende a todos esses requisitos”, explica a defensora Flávia Apolônio. Segundo ela, todos os objetos foram recuperados, não houve dano para a loja, e o/a defensor/a da vara criminal para qual o processo for distribuído poderá utilizar a insignificância do ato como argumento para solicitar a absolvição.
As Lojas Americanas, junto com a Magazine Luiza, Drogasil e Via, estão entre as 250 maiores varejistas do mundo, conforme a pesquisa “Os Poderosos do Varejo Global 2021”, elaborada pela Deloitte.
Além disso, como grande parte das prisões nesse tipo de crime são flagrantes, os bens furtados costumam ser devolvidos às lojas.
| Por Lucas Fernandes DRT/BA 4922 | - Ascom Defensoria Pública da Bahia