Ele afirmou que as imagens de entrega de dinheiro obtidas na investigação serviram apenas para “impacto midiático”.
O juiz que absolveu o deputado federal Aécio Neves (PSDB-MG) no caso de um pedido de R$ 2 milhões ao empresário Joesley Batista, da JBS, afirmou que as imagens de entrega de dinheiro obtidas na investigação serviram apenas para “impacto midiático”.
Aécio era acusado de corrupção passiva e obstrução de Justiça, em denúncia que havia sido apresentada ainda pelo então procurador-geral Rodrigo Janot em 2017. A Polícia Federal, à época, acompanhou a entrega de parcelas da quantia a um primo do tucano por um executivo da JBS, no que foi uma das principais provas do processo.
Na sentença expedida nesta quinta-feira (10), o juiz federal Ali Mazloum, da 7ª Vara Federal de São Paulo, afirma: “O ato de transportar dinheiro não configura delito algum. Integra, no máximo, a fase de exaurimento do suposto delito de corrupção. Constitui-se em post factum [fato posterior] impunível, vez que já teria ocorrido a lesividade ao bem jurídico”.
O Ministério Público Federal já afirmou que vai recorrer da decisão na segunda instância.
Em decorrência da delação de Joesley e de executivos da JBS, policiais fizeram à época uma ação controlada (operação em que um criminoso colaborador aceita coletar provas, tendo acompanhamento da polícia).
As entregas de quatro parcelas de R$ 500 mil em malas ocorreram em escritório da empresa em São Paulo. Áudios e imagens foram anexados à denúncia.
Transações em espécie podem ter como objetivo dificultar o rastreio da origem dos valores e são limitadas em muitos países. No Brasil, precisam ser comunicadas ao Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) quando a quantia é superior a R$ 30 mil.
A denúncia contra Aécio continha também diálogo gravado por Joesley, no qual o parlamentar afirma que o dinheiro precisaria ser recebido por alguém que “a gente mate antes de fazer delação”.
A tarefa coube a Frederico Pacheco, também réu no processo.
A absolvição de Aécio foi fundamentada principalmente em dois pontos. Primeiro, o juiz entendeu que o Ministério Público mudou sua argumentação entre a denúncia e a etapa de alegações finais acerca da contrapartida do pagamento feito pelo empresário.
Além disso, o magistrado considerou que há indícios de manipulação na delação de Joesley, com a busca na ocasião de uma prova que fosse mais favorável à concretização de um acordo com a PGR (Procuradoria-Geral da República).
O caso de Aécio foi um dos que tiveram maior repercussão na era da Lava Jato e operações afins.
O parlamentar, presidenciável do PSDB em 2014, chegou a receber ordem do STF (Supremo Tribunal Federal) de recolhimento domiciliar noturno, posteriormente derrubada. Operação relacionada prendeu sua irmã, Andrea, e foi deflagrada conjuntamente com investigação contra o então presidente Michel Temer (MDB).
Diante do desgaste da sua imagem, ele deixou a presidência do partido e desistiu de tentar se reeleger senador por Minas —acabou disputando em 2018 a uma cadeira para a Câmara.
Ao rejeitar a acusação, Ali Mazloum também fez uma série de críticas à atuação do Ministério Público, como ao afirmar que a acusação de obstrução de Justiça era um “devaneio e risível”. A própria Procuradoria já havia desistido desse trecho da denúncia.
O magistrado diz que é preciso garantir independência funcional aos parlamentares ou “estariam abertas as portas para a criminalização da política, para o maniqueísmo desenfreado, como parece ser o caso desta acusação”.
“Ao que tudo indica, Aécio, na realidade, foi apenas o protagonista inconsciente de uma comédia”.
Ao detalhar os motivos da absolvição, o magistrado menciona depoimento de Joesley no processo no qual o delator diz que Aécio não usou o cargo para favorecer as empresas.
A denúncia, porém, afirmava que as motivações do repasse ao tucano eram a liberação de créditos do ICMS para o grupo empresarial e a influência em nomeação do presidente da Vale.
Já nas alegações finais, a Procuradoria diz que Joesley tentava “comprar boas relações” com o pagamento.
“Nunca houve promessa de contrapartida pelo adiantamento/empréstimo feito, conforme explicitam os depoimentos”, disse o juiz.
Ele citou ainda precedentes no Judiciário para afirmar que “a solicitação de vantagem indevida ou o seu recebimento deve guardar relação com o exercício do cargo”.
Ali Mazloum também aceitou a argumentação da defesa de Aécio e de sua irmã de que havia uma negociação anterior com Joesley, lícita, acerca da venda de um apartamento no Rio para o empresário por R$ 18 milhões. O valor de R$ 2 milhões seria ligado ao negócio.
“Sempre consideramos esse valor como adiantamento ou empréstimo, sempre circunstancial”, disse Aécio, no processo.
Em comunicado nesta sexta-feira (11), o Ministério Público Federal em São Paulo afirma que a sentença não traz explicação sobre o fato de a transação ter ocorrido “sem a formalização de um contrato entre as partes” nem por que o dinheiro “foi transportado em malas entre São Paulo e Minas Gerais, em vez de ser transferido por meio do sistema bancário”.
Também mencionou que o Supremo recebeu a denúncia em 2018 considerando que a corrupção passiva requer apenas “vinculação causal entre as vantagens indevidas e as atribuições do funcionário público”.
O caso começou a tramitar no STF, mas foi enviado a São Paulo com o fim do mandato de senador do tucano.
A defesa de Aécio, na quinta-feira, afirmou que a sentença mostrou “a fraude montada por membros da PGR e por delatores que colocou em xeque o Estado democrático de Direito no país”.
“O próprio delator Joesley Batista reconheceu que nunca houve qualquer irregularidade, qualquer pedido de recursos ou qualquer contrapartida na relação”.
No depoimento na ação penal, o deputado tucano afirma que foi o empresário que propôs o pagamento em espécie, “obviamente orientado por alguns procuradores”. “Fez ali algo que não percebi na hora qual era o objetivo e pra mim sempre foi um adiantamento ou empréstimo. Esse é o enredo que envolve essa questão”.
Felipe Bächtold/Folhapress