Mais um, Bahia. Mais um ano de história. Nesta sexta-feira, 1º, serão 90 ao todo, desde a fundação, em 1º de janeiro de 1931, do time que “nasceu para vencer”, como ficou colocado na época pelos fundadores. E venceu, sim. Conquistou o Brasil em 1959 e em 1988. E também sete vezes seguidas a Bahia, entre 73 e 79. Levantou 67 troféus oficiais, entre campeonatos Baiano e Brasileiro, Copa do Nordeste e outros certames.
Mas também perdeu. Perdeu em 2005 e em 2006. Ficou nove anos sem ser campeão baiano. Foi ao fundo do poço, à Série C, e quase fechou as portas, graças a gestões temerárias. A memória do Esquadrão de Aço foi, literalmente, jogada às traças. “Não tinha legenda nos troféus, uma sala. Eles estavam se deteriorando. A maioria virou sucata ou estava guardada em sacos de lixo. Estavam jogados. Não se sabia identificar o que era”, conta o jornalista Luiz Teles, responsável pela organização do Museu do Bahia, que terá sua inauguração na primeira quinzena de janeiro, em comemoração aos 90 anos de história, na Fonte Nova.
Como de costume, foi mais um triunfo na história do clube que trouxe essa memória de volta. Em conquista tão importante quanto os títulos dentro de campo, o Bahia foi democratizado em 2014.
Redenção
A partir do mandato-tampão de Fernando Schmidt, as coisas começam a mudar. “Começa a se rearrumar, revalorizar sua marca, criar uma identidade de clube afirmativo, retomando o caminho da sua história”, analisa o jornalista Nestor Mendes, autor do livro “Bahia Esporte Clube da Felicidade: 70 anos de história”.
Em 2018, o presidente Guilherme Bellintani instaura o projeto ‘Memória de Aço’, para identificar quais eram as demandas em relação à história do clube, e também em relação a patrimônio.
Além disso, o projeto proporcionou a documentação de todos os jogos oficiais do Bahia. “Hoje sabemos quantos jogos cada jogador fez, quantos gols, em quais estádios. Também adquirimos uma coleção de vídeos históricos do clube. E uma coisa importante: a nossa lista de artilheiros foi alterada. Mudou a quantidade de gols de alguns atletas, assim com a ordem do top 10”, revela Luiz Teles. De acordo com o jornalista, réplicas de troféus que sumiram ou que o clube não possuía, como o da Taça Brasil de 1959, tiveram que ser feitas. Um dos troféus do título de 1988 também passou pelo mesmo processo.
O museu
O mote que ordena a exposição inaugural do museu é “A Bahia é Bahêa”. Segundo Teles, toda a construção da obra foi elaborada por pessoas da terra e/ou que têm forte ligação com Salvador e o estado, como artistas locais, fotógrafos, DJs e pesquisadores. Torcedores também colaboraram, por meio dos processos de crowdfounding.
“É um museu que está em total sintonia com o que é um projeto de museu atual. Que possui muita interatividade, uma correlação o tempo todo com a cultura local”, ressalta o jornalista.
Logo na entrada, há um painel de estrelas com todos os doadores que ajudaram a erguer a obra. E a campanha segue. Mesmo com o museu inaugurado, todo mundo que quiser doar poderá ter seu nome nesse painel.
O local também possuirá um corredor inteiro dedicado à democracia do clube. Em uma das salas, uma experiência audiovisual fará o torcedor se sentir como se estivesse dentro do estádio. Além disso, os troféus, que antes eram expostos de forma esporádica no Fazendão, agora ficarão em uma sala com visitação aberta para o público.
Localizado na Arena Fonte Nova, o museu pretende trazer uma identificação cada vez maior do Bahia com o estádio. “Existirá para qualquer turista que venha a Salvador, como qualquer torcedor que vai à Europa pode visitar o museu do Porto, do Barcelona”, complementa Teles.
Pré-democratização
O momento ruim do Bahia produziu diversos obstáculos, que foram sendo superados aos poucos pelas gestões democráticas. Em 2014, o Tricolor deixou de ser “uma das últimas ditaduras do país”, como definiram torcedores revoltados com o ex-mandatário Paulo Maracajá.
Figura imortal na história tricolor, Maracajá comandou o clube entre 1979 e 1994. Porém, seus sucessores, eleitos pelo Conselho Deliberativo, sempre eram do mesmo grupo político que ele. Por isso, conversas de bastidores davam conta de que quem mandou de verdade no Bahia pelo menos até 2008 foi o próprio. Antes da democratização, ele não teria tão grande influência apenas nas gestões dos Guimarães.
O fim desse ‘continuísmo’ ocorreu justamente em 2013, quando o Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA) acatou o pedido de impeachment do presidente à época, Marcelo Guimarães Filho. Ele foi condenado por improbidade administrativa, por ter utilizado eleitores fantasmas em sua reeleição, em 2011.
90 anos
O livro sobre os 70 anos do Bahia, de Nestor Mendes Jr., citado mais acima, ganhará uma continuação em 2021, com os 20 anos que se sucederam à edição de 2001. Além de perpassar pelas tragédias do ano 2000 e pela democratização, o escritor ampliará outras histórias que até então estavam perdidas, sobre tempos mais antigos.
Uma delas diz respeito ao dia em que o Bahia goleou o Bayern de Munique. Não, você não leu errado. Em uma das excursões para a Europa, comuns a clubes brasileiros na época, o Bahia campeão de 59 foi à Alemanha em 1960 e venceu os poderosos Bávaros por 6 a 1. Léo Brigila marcou um ‘hat-trick’. Os outros gols foram de Alencar, Alfredinho e Mário.
“A história do Bahia é fantástica, maravilhosa, de um clube que nasceu pra vencer porque tinha uma base vencedora e foi ganhando com seus méritos ao longo dos tempos. Um clube belíssimo, que ainda vai dar muitas glórias à sua torcida. O Bahia quase fechou as portas e renasceu”, celebra Nestor.
*Sob supervisão do editor Daniel Dórea
Nuno Krause – A Tarde Online