No 4º trimestre de 2022, o Brasil tinha 1,5 milhão de pessoas que trabalhavam por meio de plataformas digitais e aplicativos de serviços. Esse número representava 1,7% da população ocupada no setor privado, que chegava a 87,2 milhões, no período. Os dados são do inédito módulo Teletrabalho e Trabalho por Meio de Plataformas Digitais da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, divulgado hoje pelo IBGE. As estatísticas são experimentais, ou seja, estão em fase de teste e sob avaliação. A pesquisa é fruto de um Acordo de Cooperação Técnica com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e o Ministério Público do Trabalho (MPT).
No recorte por tipo de aplicativo, 52,2% (778 mil) exerciam o trabalho principal por meio de aplicativos de transporte de passageiros em ao menos um dos dois tipos listados (de táxi ou excluindo táxi). Em um olhar mais aprofundado, eram 47,2% (704 mil pessoas) os de transporte particular de passageiros (excluindo os de táxi) e 13,9% (207 mil) de aplicativos de táxi.
Já 39,5% (589 mil) eram trabalhadores de aplicativos de entrega de comida, produtos etc., enquanto os trabalhadores de aplicativos de prestação de serviços gerais ou profissionais somavam 13,2% (197 mil). “Para esse recorte, é importante salientar que uma mesma pessoa, em seu trabalho principal, pode responder trabalhar por meio de mais de um tipo de plataforma digital”, explica Gustavo Geaquinto, analista da pesquisa.
A região Norte se destacou pela maior proporção de trabalhadores por aplicativos de transporte particular de passageiros (excluindo os de táxi): representavam 61,2%, 14 pontos percentuais (p.p.) a mais que a média nacional. A região também foi a que marcou a menor proporção de pessoas que trabalhavam com aplicativos de serviços gerais ou profissionais, 5,6%, menos da metade do índice no país. Esse tipo de aplicativo, aliás, se concentrava no Sudeste, com 61,4% do total dos plataformizados ocupados nessas plataformas.
A maioria dos trabalhadores plataformizados eram homens (81,3%), em uma proporção muito maior que a média geral dos trabalhadores ocupados no setor privado (59,1%). “Há mais homens entre os plataformizados porque a maior parte dos trabalhadores por aplicativo são condutores de automóveis e motocicletas, ocupações majoritariamente masculinas”, explica Gustavo Geaquinto.
O grupo de 25 a 39 anos correspondia a quase metade (48,4%) das pessoas que trabalhavam por meio de plataformas digitais.
Quanto à escolaridade, os plataformizados concentravam-se nos níveis médio completo ou superior incompleto (61,3%). É a mesma faixa que lidera no total de ocupados (43,4%), mas em proporção maior para os plataformizados. Já a população sem instrução e com fundamental incompleto era a menor entre os plataformizados (8,1%), mas correspondia a 22,8% do total de ocupados.
Cerca de 77,1% dos plataformizados eram trabalhadores por conta própria, contra 29,2% para os não plataformizados (29,2%). Entre os grupamentos de atividade, 67,3% dos plataformizados atuavam em Transporte, armazenagem e correio e 16,7% em Alojamento e alimentação.
Plataformizados trabalham mais horas e têm maior proporção de informalidade
No 4ª semestre de 2022, o rendimento médio mensal dos trabalhadores plataformizados (R$ 2.645) estava 5,4% maior que o rendimento médio dos demais ocupados (R$ 2.510).
“Ao comparar os rendimentos de ocupados plataformizados e não plataformizados, é importante considerar que existem diferenças quanto ao nível de instrução e ao perfil ocupacional, havendo, por exemplo, maior participação de pessoas com menor nível de escolaridade e exercendo ocupações elementares entre os não plataformizados”, ressalta Geaquinto.
Para os dois grupos menos escolarizados, o rendimento médio mensal real das pessoas que trabalhavam por meio de aplicativos de serviço ultrapassava em mais de 30% o rendimento das que não faziam uso dessas ferramentas digitais. Por outro lado, entre as pessoas com o nível superior completo, o rendimento dos plataformizados (R$ 4.319) era 19,2% inferior ao daqueles que não trabalhavam por meio de aplicativos de serviços (R$ 5.348).
Essa diferença pode ser explicada pelo fato de uma parte considerável dos trabalhadores plataformizados com nível superior completo exercer ocupações que exigem níveis de qualificação inferiores, como é o caso da ocupação de motorista de aplicativo. “Essa situação ocorre, entre outros motivos, pela falta de oportunidades de emprego que melhor se adequem a suas habilidades”, explica o analista.
Os trabalhadores plataformizados trabalhavam habitualmente, em média, 46,0 horas por semana no trabalho principal, uma jornada 6,5 horas mais extensa que a dos demais ocupados (39,5 horas). “Essa diferença nas horas trabalhadas também pode explicar a diferença de rendimento. Se considerarmos o rendimento por hora trabalhada, os trabalhadores plataformizados apresentam, em média, rendimento hora inferior ao dos demais ocupados”, explica Geaquinto.
Enquanto 60,8% dos ocupados no setor privado contribuíam para a previdência, apenas 35,7% dos plataformizados eram contribuintes. Ao mesmo tempo, a proporção de trabalhadores plataformizados informais (70,1%) era superior à do total de ocupados no setor privado (44,2%).
Motoristas plataformizados trabalham mais horas por semana
No 4º tri de 2022, havia 1,2 milhão de pessoas ocupadas como condutores de automóveis de transporte rodoviário de passageiros em sua atividade principal. Desse total, 60,5% (721 mil pessoas) trabalhavam com aplicativos de transporte de passageiros, inclusive táxi, enquanto 39,5% (471 mil) não utilizavam esses aplicativos. A renda dos motoristas plataformizados (R$2.454) era ligeiramente superior à dos motoristas não plataformizados (R$2.412).
Assim como observado para o total de trabalhadores plataformizados, a média de horas habitualmente trabalhadas por semana no trabalho principal dos motoristas de aplicativo (47,9 horas) também superava a média dos que não trabalhavam por aplicativos de transporte de passageiros (40,9 horas). “É uma diferença de sete horas na jornada semanal, ou 17,1% a mais, ao passo que a diferença no rendimento médio era de apenas 1,7% a mais. Isso resulta em menor rendimento/hora para os plataformizados”, explica o analista. O rendimento/hora dos motoristas de aplicativo era de R$ 11,80, enquanto o dos motoristas que não usam aplicativo era R$ 13,60.
Cerca de 43,9% dos condutores de automóveis no transporte de passageiros não plataformizados contribuíam para a previdência. Entre os que utilizavam aplicativos, o percentual de contribuintes era de 23,6%.
Entre os 338 mil condutores de motocicletas em atividades de malote e entrega no trabalho principal, 50,8% (171 mil) realizavam trabalho por meio de aplicativos de entrega. Mas, diferentemente do observado para os motoristas, o rendimento habitual médio dos entregadores plataformizados (R$1.784) representava apenas 80,7% daquele recebido pelos não plataformizados (R$2.210). Os entregadores plataformizados tinham, ainda, jornadas semanais de trabalho maiores (47,6 horas contra 42,8 horas). “Ou seja, o rendimento/hora dos entregadores plataformizados (R$ 8,70) é ainda menor que o dos que não trabalham com aplicativos (R$11,90)”, explica Geaquinto.
Ao todo, 39,8% dos motociclistas não plataformizados contribuíam para a previdência, proporção que cai para 22,3% entre os motociclistas plataformizados.
Para Unicamp e MPT, estatísticas ajudarão a fomentar o debate envolvendo trabalho
Este módulo da PNAD Contínua é fruto de um Acordo de Cooperação Técnica com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e o Ministério Público do Trabalho (MPT). Para José Dari Krein, economista, pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (Cesit) e professor do Instituto de Economia da Universidade, a pesquisa aponta para uma realidade que já vem sendo estudada pelos pesquisadores. “Falando enquanto pesquisador da instituição Unicamp e não em nome da Universidade, criou-se uma situação em que empresas são capazes de contratar um contingente expressivo de trabalhadores sem reconhecer seu vínculo de emprego. Nesse sentido, essa pesquisa mostra muita aderência com a realidade que já vínhamos investigando, pois os trabalhadores controlados por empresas de plataforma digital de fato aparecem em condição pior do que a média geral do mercado de trabalho. Seus dados apontam a urgência de repensar a sociedade em um contexto de crise profunda, frente a necessidade de realizar uma transição ecológica e de superar uma crescente desigualdade social. Temos de pensar uma sociedade em que o trabalho volte a ter centralidade, torne-se um fator de sociabilidade e de organização social; e não seja meramente uma estratégia instrumental de as pessoas poderem ter dinheiro para sobreviver e poder pagar contas”, conclui.
Para a procuradora Clarissa Ribeiro Schinestsck, o ineditismo da pesquisa, que se mostra ainda em caráter experimental, representa um importante passo para subsidiar o debate envolvendo o trabalho em plataformas digitais. “A pesquisa contribui sobremaneira para fomentar o debate público em torno da regulação do trabalho em plataformas digitais, inclusive do ponto de vista previdenciário, o que só é possível através de dados oficiais. As estatísticas abrem a possibilidade para a criação de políticas públicas efetivas e para o planejamento da atuação dos órgãos de defesa do trabalho decente, ao mesmo tempo que demonstram claramente a informalidade nesse tipo de trabalho, a forte dependência dos trabalhadores em relação às plataformas, jornadas mais elevadas e rendimento menor do que os trabalhadores ‘não plataformizados’ do setor privado”, aponta.
Mais sobre a pesquisa
O módulo inédito Teletrabalho e trabalho por meio de plataformas digitais da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) analisa essas novas formas de trabalho no país em 2022. Os dados são analisados por cor ou raça, sexo, grupo de idade, nível de instrução, posição na ocupação, entre outros recortes. Acesse o material de apoio e a publicação completa para mais informações.
Ascom – IBGE