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Sobre o caso PM Wesley, o olhar do especialista Valdir Barbosa: advogado, escritor e ex-delegado-chefe da Polícia Civil da Bahia

“Wesley, por que, já que a situação estava a ficar sem controle, o comandante da cena de ação não autorizou que sniper fizesse um disparo capaz de imobilizá-lo, o que impediria a gravidade do desfecho?”, questiona o estudioso do tema

É, Wesley, nada a declarar, só lamentar
📋Por Waldir Barbosa

Na década de noventa tive o privilégio de ministrar a aula inaugural, do primeiro curso de Gerenciamento de Crise oferecido pela Academia da Polícia Militar do Estado da Bahia, nossa briosa e centenária instituição. O balizamento da matéria definido naquele fórum e oriundo do conceito formulado pelo F. B. I., assim dita:

“Fenômeno sócio-político-administrativo que possui natureza crucial e necessita de uma intervenção especial dos órgãos que compõem o Sistema de Defesa Social, coordenados pela Polícia, objetivando abordá-lo, entendê-lo e solucioná-lo de forma a preservar vidas humanas. Uma crise é um problema de grande gravidade e urgência que os órgãos que compõem o Sistema de Defesa Social devem identificar, entender e juntos buscarem soluções aceitáveis objetivando sempre preservar vidas humanas e aplicar a Lei”.

Durante mais de uma década, atuei em casos considerados como tais, na condição de assessor especial de dois Secretários da Segurança Pública do Estado da Bahia, me tornando estudioso do assunto, oportunidade na qual pude adquirir conhecimento específico, no país, diante de mestres do quilate de Roberto Chagas Monteiro e Ângelo Salignac, bem como fora de nossas fronteiras.

O F. B. I., responsável por apresentar soluções doutrinárias no tocante ao assunto, lastro das teorias aplicadas em várias partes do mundo, inclusive, no Brasil, assim o define: “Crise é um evento ou situação crucial, que exige uma resposta especial da polícia, a fim de assegurar uma solução aceitável”, aduzindo ainda que o “gerenciamento de crise é o processo de identificar, obter e aplicar os recursos necessários à antecipação, prevenção e resolução de uma crise”.

Também, segundo o mesmo instituto, os objetivos preponderantes do gerenciamento de crises, justo nesta ordem seriam: “preservar vidas, reféns, público, policiais, criminosos, além de preservar o patrimônio, restaurar a ordem e aplicar a lei”.

Destarte, imprescindível considerar que a aplicação da lei, primado essencial na seara onde militam os integrantes da administração justiça, neste caso, se rende ao inafastável objetivo do gerenciamento de crise, qual seja, a preservação da vida a qualquer custo.

Aliás, os mestres, responsáveis por transmitir conhecimento a todos quantos à frente haverão de se dedicar, ao dificílimo labor de gerenciar crises são enfáticos e repetitivos na assertiva de que, neste particular, é imperativa a necessidade de: “negociar, negociar, negociar e, quando não houver mais condições de negociar, continuar negociando”.

No que respeita a ações imediatas, assim se instale a crise, dita doutrina não poupa recomendações, no tocante a contenção e isolamento do ponto crítico, taxando-os de medidas imprescindíveis, para que o trabalho dos responsáveis pelo gerenciamento seja concluído com êxito.

Dentre as dezenas de casos nos quais atuei, seja em crimes de extorsão mediante sequestro, assaltos com reféns, motins em presídios, um dos que assumiu maior repercussão na mídia nacional, extrapolando até mesmo nossas fronteiras foi o de Leonardo Pareja que manteve refém, jovem da sociedade baiana, por alguns dias, no Hotel Samburá em Feira de Santana.

Constatou-se ali, a inexistência de isolamento – metade da população de Feira, durante o evento esteve postada em frente ao palco das operações, quase chegando à porta da hospedaria onde se desenrolava o drama impedindo, dentre outras coisas, o posicionamento de snipers, para possível uso de ação tática -, bem como inobservância da contenção do ponto crítico facultando ao promotor da crise ter todo o hotel sob seu domínio, onde passeava livremente suas ameaças e bravatas.

Ditos senões, me obrigaram sugerir a troca de refém – que efetivamente ocorreu -, razão pela qual fui criticado pela comunidade de profissionais da país inteiro, vez que a doutrina não considera tal medida apropriada, sobretudo, em face da Síndrome de Estocolmo – relação de simbiose entre refém e algoz – que pode ser utilizada, no momento e da forma precisa, durante as negociações.

Bem, tudo para perguntar:

Wesley, por que seus colegas não lhe contiveram no ponto onde começou a trama, próximo ao Forte onde se localiza o Farol da Barra e ainda sob a luz do dia, lhe tendo represado ali aproveitaram o ambiente propício para aproximação e uso de recursos não letais visando contê-lo?

Wesley, por que ao invés, disto, não houve propósito de cercear sua investida para mais perto da praça, onde os riscos aumentaram frente a todos os presentes – você, seus colegas que buscavam solucionar a situação e o povo em geral?

Wesley, porque não se percebeu que estes equívocos fatalmente aumentariam seu estresse e você poderia adotar alguma medida que de certa forma autorizasse usar força letal em seu desfavor, como efetivamente ocorreu?

Wesley, por que, já que a situação estava a ficar sem controle, o comandante da cena de ação não autorizou que sniper fizesse um disparo capaz de imobilizá-lo, o que impediria a gravidade do desfecho?

Wesley, não é momento de politizar seu infortúnio, apenas e tão somente discutir questões técnicas que fizeram de você, um policial, vítima, sem opção de nova chance.

É, caro Wesley, nada a declarar, só lamentar e lembrar Einstein:

“Toda decisão acertada é proveniente de experiencia. e toda experiencia é proveniente de uma decisão não acertada”.

Salvador, 29 de março de 2021.

📰Valdir Barbosa é advogado e escritor; ex-delegado-chefe da Polícia Civil da Bahia

Nota da Redação
Este artigo foi originariamente publicado no portal Bahia.ba e aqui reproduzido pela Rede2D

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